Todo fim tem um começo – por Márcio Grings
Sobre o fechamento da Excluzive.
A notícia mais comentada em Santa Maria nessa semana foi o fim das atividades da Excluzive, um dos mais tradicionais pontos de venda de LPs, CDs, camisetas e itens relacionados ao mundo do rock e cultura POP em geral. Posso dizer que sou cria daquela loja, lugar que frequentei desde sua fundação em 1986, até o último dia em que ficou aberta, quarta-feira passada, 13 de agosto, quando paguei 25 contos por um LP do guitarrista de jazz norte-americano Wes Montgomery.
O porto-alegrense Gilberto Ramalho, o Betão, se aposentou e resolveu voltar para próximo de sua cidade (um desejo antigo), e agora irá viver num sítio em Gravataí, região metropolitana da capital gaúcha. Cumpriu a missão por aqui.
Pensando rapidamente sobre algumas recordações relativas à loja, impossível desassociar a imagem da Excluzive das ‘figuraças’ que são Betão e Ângela. Os dois sempre foram muito parecidos, seja na forma de falar e expressar as suas opiniões, e até mesmo em muitos gostos pessoais. Numa vida repleta de curvas e sinuosidades, quando devido a alguns acidentes de percurso Betão precisou se ausentar, Ângela colocou a mão no timão e segurou o tranco com pulso firme. E assim o casal criou suas filhas e levou a vida, dá pra dizer que incessantemente nas trilhas do rock and roll.
Tantos discursos e monólogos em defesa da boa música eu presenciei naquelas paredes… Desde o tempo em que a loja estava na Venâncio, quase esquina Floriano, até os dias atuais, na Andradas, quase esquina Serafim, são muitas histórias. Cada um tem a sua. Vou contar algumas das minhas. Na Excluzive, comprei grande parte da minha coleção de vinis do Bob Dylan e Neil Young; adquiri praticamente toda a discografia do The Byrds em CD; levei pra casa camisetas do Pink Floyd, Led Zeppelin, Eric Clapton; assisti DVDs que nunca sonharia ter visto nos tempos de moleque; e, o mais importante: troquei inúmeras figurinhas com Betão, consequentemente recebendo várias lições. Lembre-se: estou falando de uma época em que a Excluzive era o nosso Google musical. E quando Betão abria aquele catálogo monstruoso, um mundo mágico poderia se materializar instantaneamente.
Lembro como se fosse hoje o dia em que levei pra casa “Music From The Big Pink”, primeiro CD da The Band. Ou aquela manhã chata que ficou ensolarada quando fui apresentado a Doug Sahm & The Sir Douglas Quintet. Outra vez, durante um programa de rádio que tive na saudosa POP Rock, o “Baú do Rock”, dediquei um bloco musical pro Betão. Ausente de casa naquela noite, e durante uma das longas tempestades que acabou superando, ele me enviou uma carta dizendo que o programa era um oásis para ele, a verdadeira salvação da lavoura. Fiquei emocionado, minha profissão realmente parecia ter valia.
No entanto, duas recordações são as mais afixadas em relação à Excluzive. A primeira delas são os gatos da família, que sempre estiveram deliberadamente trepando pelas prateleiras e circulando entre as peças do espaço. E os gatos da Exclusive sempre foram animais de rara personalidade e garbo. O último representante deles, Lola, é um bom exemplo dessa característica.
A segunda lembrança é a mais forte, pois eu era só um adolescente quando me deparei com uma imagem peculiar pintada na parede da loja, ainda nos tempos da Venâncio. Tratava-se de uma reprodução da “Watch”, álbum da banda britânica Manfred Mann’s Earth Band, lançado em 1978. Um homem de terno amarrotado, braços abertos como um pássaro, cabelos desgrenhados avançando numa pista de um aeroporto tipo uma aeronave prestes a decolar. Aquilo me instigava. Surreal, inusitado, um retrato da loucura ou a quebra de paradigmas? Talvez as duas coisas ou nenhuma delas. Provavelmente nem Michael Sanz, o autor da pintura, saiba definir o que certamente não precisa ser definido ou explicado.
Que Betão e os seus sejam felizes. Não há ponto final nessa história. Ficam as lembranças, as lições, os discos circulando por aí e toda uma história que está documentada no inconsciente coletivo dos amantes do rock que um dia colocaram seus pés na Excluzive.
Que venha uma nova história.
Fantástica lembrança, Márcio! Excluzive, Betão e ângela formam um trinômio indissociável, inseparável e, agora, inesquecível. Muitas lembranças, muitas conversas, muitas raridades adquiridas naquele templo que, no meu caso e, acredito, não só no meu caso, passou de pai para filho.Queria um vinil ou cd fora do circuito comercial normal da cidade, ia ao Betão. Ali, ou encontrava ou encomendava.Sempre se dava-se um jeito. Era certo que, logo, logo, estaria em meu poder o desejo sonoro. Com nobreza, simpatia, urbanidade, parceria e muita, mas muita troca de opiniões sobre o nosso imortal rock and roll. Fui lá na quarta-feira, um abraço, votos de boa sorte e a sensação de que aquela casa tinha alma. Fecha um templo na cidade. Mas, no ar e em muitos ouvidos, fica a lembrança da Excluzive. Nas antigas vitrolas, no velho toca-discos, no aparelho de cd ou dvd, num cantinho do guarda-roupa, vinis, cds, dvds e camisetas perpetuarão a Excluzive. Mais que sentir saudade, sentir falta.