Artigos

Vingança – por Orlando Fonseca

“Eu quero justiça. Eu quero justiça!” É comum vermos, em matérias jornalísticas, essa manifestação de pessoas que passaram por traumas violentos, causados pela morte de um ente querido. Nesse estado de espírito lastimável, em que as emoções são mais fortes que a razão, é difícil mesmo separar o que é aspiração elevada de justiça do que é um simples desejo de vingança. A morte, especialmente, ou mesmo lesões resultantes de agressões graves costumam elevar o preço daqueles ligados por laços de sangue.

O sangue, esse símbolo místico, desde priscas eras, é um valor emblemático da vida, e, na falta de um argumento melhor, ou qualquer argumento, é a moeda que os afetados querem trocar com o poder do Estado. Imagino que, por termos superado a barbárie, de modo civilizado e urbano, na falta de disposição em usar as próprias mãos para fazer justiça – usando um chavão -, delegamos a este Ente maior na sociedade o poder de quitar tal dívida.

Meu perfil pacifista permite considerar, como diz o Dalai Lama: “A vingança não vai reduzir ou prevenir o mal, porque ele já aconteceu.” Falo com as atenuantes particulares de não ter sofrido um atentado, por isso mesmo seguro de não agir sob restrição de sentidos. A tristeza e a angústia de uma perda, porém, colocam em confronto o espírito de vingança e o senso de justiça.

Espírito, nesse caso, pressupõe este universo interior por onde transitam – em mistério – o instinto, o inconsciente e as emoções, os quais favorecem, em certos momentos graves, a ausência de racionalidade. O que nos aproxima, perigosamente, dos arquétipos, dos arcaísmos, zona nebulosa na qual são confusos os juízos de valor. Nos primórdios da democracia, ainda no mundo grego, Epicuro considerou: “A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem.”

Senso pressupõe racionalidade, raciocínio, civilidade e urbanidade, tudo o que a civilização nos trouxe para nos tornar “pessoas de bem” – vulgarizada, hoje em dia, por campanhas pela supremacia branca, pelo armamento da população e toda sorte de preconceitos que levam indivíduos a ir contra a observância dos Direitos Humanos.

Esses mesmos que nos legaram o pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII, nos documentos da Independência dos EUA, no liberalismo da Revolução Francesa, ratificados em Declaração pela ONU, em 1948. Só para deixar claro de que não se trata de uma concepção comunista, ou de um casuísmo isolado da “esquerda brasileira”.

A mim causa um certo estranhamento ver pessoas de bem, impedidas eticamente de se vingar, esperando que o Estado faça vingança. Sangue por sangue. Seguidamente nos deparamos com o resultado estarrecedor (para mim, ao menos) de uma maioria da população que deseja a pena de morte. Candidatos se lançam aos cargos majoritários com a promessa de acabar com os bandidos à bala, com o lema “bandido bom é bandido morto”.

E, mesmo que se afirmem cristãos, esquecem que o Mestre foi crucificado entre dois bandidos – tido como um, diga-se de passagem – e ainda foi longânime com o bandido bom, considerando-o antes que morresse. Um coronel da reserva da Brigada pede prisão perpétua para políticos e gestores que lesam a Pátria.

É um prato que se come frio, a tal vingança, o que comporta a frieza da premeditação. Quando a justiça “tarda, mas não falha”, acaba gerando o mesmo sentimento. E se, além de tardia, é falha, vira injustiça, e pode ensejar o desejo individual de vingança, o que acaba construindo um ciclo de violência sem fim.

Para recompor o estado de direito é preciso que a justiça seja aparelhada com pessoal qualificado e instrumentos eficazes contra os males da vida social. Que os processos transcorram com a celeridade possível, com igualdade de dosimetrias de penas. Que a lei seja considerada como a medida, de modo que ninguém seja considerado diferente diante dela. Porque, propagando-se no imaginário popular a noção de que “pode mais quem chora menos”, teremos a redução da justiça em mera vingança.

Sem isso, vai proliferar na sociedade a impressão de um Estado Vingador, capaz de galvanizar os baixos instintos em tecnicalidades e filigranas. “Olho por olho e o mundo inteiro estará cego” (Mahatma Gandhi).

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo