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Artigo. Um mês de lutas, de vitórias e esperança no futuro, na visão de Fernando Menezes

O coordenador regional do Partido dos Trabalhadores, Fernando Menezes, é um dos fundadores do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, e coordenou o MNLM em Santa Maria e no Estado entre 1990 e 1996. Vereador pelo PT/SM entre 1996 e 2000, foi também secretário municipal de Habitação, Transportes e Obras de 2001 a 2004.
Por considerar importante, do ponto de vista político e histórico, o que aconteceu aqui mesmo, no início dos anos 90, esta página abre espaço para o artigo de Menezes que trata do aniversário de criação do MNLM na cidade. E as conseqüências imediatas e mediatas daquele ato. Inclusive porque, em 7 de dezembro, ontem, comemorou-se o aniversário número 14 do dia em que armou-se a primeira barraca do que viria a se tornar a Nova Santa Marta.
Pode-se concordar ou não com o teor, mas não se pode deixar de destacar a importância histórica que emana de seu conteúdo. E menos ainda a emoção do autor, ao relatar os fatos dos quais foi protagonista. Confira o artigo de Fernando Menezes:




“Dezembro: mês de lutas, vitórias e de esperança no futuro

Nesta época, no mês de dezembro, me invadem a memória dois importantes momentos da minha vida, bem como da vida de centenas de famílias em Santa Maria.

A primeira lembrança refere-se ao dia quatorze de dezembro, quando à noite, juntamente com a companheira Sandra Feltrin, participava da coordenação de uma reunião, com mais de trinta pessoas, no Plenarinho da Câmara de Vereadores de Santa Maria.

Nesta reunião, estávamos fundando o Movimento Nacional de Luta pela Moradia de Santa Maria e elegendo a sua primeira coordenação municipal. Era o dia de meu aniversário, onde estava completando vinte e quatro anos, e naquele momento exercia a função de assessor parlamentar na câmara de vereadores.

Esta reunião existiu devido à insistência de uma senhora, já bastante idosa: Dona Olgair, envelhecida mais do que pela ação do tempo, pela injustiça social.

Lembro-me bem quando ela referiu-me que sonhava com uma casa própria, e pediu-me que eu a conseguisse.

Depois me relatou todo o seu sofrimento, com seu esposo que convivia com o câncer e a pobreza, e que já estava no fim da vida.

Em outro dia, fui visitá-la, e constatei que eles moravam, na verdade, em cima de um barranco, em uma velha casinha, infinitamente simples e pequena, na Vila Schirmer.

Com seu esposo, e vivendo naquelas péssimas condições de habitação, e doentes, recordo que contei a ela que eu mesmo também não tinha casa própria, e pagava aluguel para morar, na Vila Prado.

Perguntei a ela se conhecia outras famílias que não tinham casa e que pudessem estar interessadas em se organizar em torno da tentativa de pressionar os governos para fazer novas habitações para famílias de baixa renda.

Ela me respondeu, cheia de esperança, que conhecia.

Elaborei em torno de cinqüenta convites para uma reunião, e ela convidou os seus vizinhos sem casa.

Comemorei meu aniversário na companhia destas gentis pessoas, povo de garra e coragem, cuja pobreza jamais dobrara sua esperança e força para lutar por mais justiça e igualdade.

Dentre elas estava, lembro-me bem, a Dona Nilda e o Seu Henrique, seu esposo, pessoas das quais me orgulho em mencionar os nomes.

Esta primeira reunião desencadeou uma caravana de encontros em mais de cem vilas de todas as regiões da cidade.

Assim, alcançamos o número de três mil pessoas mobilizadas em torno da causa da moradia e realizamos quatro plenárias no Plenário da Câmara Municipal de Vereadores.

Convidamos a Prefeitura, a Caixa Econômica Federal, a Companhia Habitacional do Rio Grande do Sul e a Comissão de Serviços Públicos da Câmara de Vereadores.

Participaram desses encontros os vereadores Valdeci Oliveira, Abdo Mothecy, Humberto Zanatta e Vicente Paulo Bisonho.

Recordo-me que foi na terceira plenária que a Dona Nilda usou a tribuna livre e leu um grande manifesto do Movimento.

Na mesma noite, realizamos uma grande passeata em silêncio e à luz de velas até a sede da a Prefeitura Municipal, onde após muitas negociações fomos recebidos pelo prefeito Evandro Behr.

Não havendo resposta alguma por parte das autoridades em todos os níveis administrativos, e já cansados de esperar por uma solução, realizamos em setembro de 1991 a última plenária e decidimos como alternativa para que fossemos atendidos, realizar uma grande e organizada ocupação.

Voltamos a nos reunir nas Vilas e marcamos a ocupação para o dia 7 de dezembro de 1991.

Iniciamos uma reunião às 21 horas, na Igreja São João Evangelista, na Vila Caramelo, e dali saímos organizados, após rezar e adquirir a coragem necessária para realizar a maior e mais organizada ocupação de terra urbana no Estado do Rio Grande do Sul.

Começamos com apenas setenta e quatro pessoas, que vigorosamente romperam as cercas da exclusão social e deram o primeiro passo na trajetória de uma ocupação histórica.

Lembro-me que conseguimos um caminhão e fomos até a Vila Boi Morto comprar taquaras para erguer as barracas, e logo que cheguei, por volta de 6:30 da manhã do dia 8 de dezembro, a Brigada Militar já estava cercando a área.

As famílias estavam apavoradas e desnorteadas, quando entrei correndo na ocupação e os policiais tentaram me impedir. Respondi que estava entrando porque estava morando ali.

Foi uma dura manhã.

A Brigada Militar iniciou uma verdadeira “guerra psicológica” com todas as pessoas na ocupação. Primeiramente, através de uma intensa pressão para a desocupação da área, depois iniciando uma aproximação com as pessoas, pois muitos policiais eram conhecidos de todos nós.

Lembro-me que eles disseram que, a partir daquele momento, ninguém entraria mais, e quem saísse não entraria mais naquele local.

Então, os policiais se espalharam em nosso meio e iam conversando com a gente e deixavam as pessoas darem um passo a sua frente, e diziam que a gente estava fora e não podia entrar mais ali.

Percebendo a estratégia da Brigada Militar, chamei as famílias restantes, que já não ultrapassavam 40 pessoas, e fizemos um círculo no centro da ocupação e de mãos dadas ficamos parados em uma espécie de “núcleo“, cercado pela força policial.

Proibimos as pessoas de terem qualquer diálogo com os policias. Enquanto isto, a companheira Sandra Feltrin impetrava um Habeas Corpus através do advogado Doutor José Luis Wagner, uma vez que a Brigada Militar não possuía mandado judicial para desocupar a área.

Por volta das 11:30 daquela manhã de sábado, recebemos a notícia da primeira Medida Liminar favorável a nossa causa.

Ouviu-se risos, gritos, choro.

Os que estavam dentro do círculo, sitiados pela Brigada Militar, e aqueles que estavam fora do terreno, todos reagiram com muita emoção.

Após este momento, até domingo, as famílias e as suas barracas já ultrapassavam mais de 300.

As pessoas adormeceram na noite de 9 de dezembro em mais de 354 barracas de lona preta, que tremularam nas coxilhas de uma fazenda abandonada pelo Estado, dando lugar à moradia das tantas famílias sem casa.

Para isso, é preciso lembrar que contamos com o apoio das famílias moradoras da Vila Prado, da Vila Jóquei Clube e do Núcleo Habitacional Santa Marta.

Também os amigos do Sindicato dos Metalúrgicos, do Sindicato da Alimentação, do Sindicato dos Bancários entre outros, bem como tivemos o apoio do Bispo Dom Ivo, das pastorais e da maioria do Corede, e que todos juntos lutamos com as 33 famílias dos Sem Terra, o que nos foi fundamental.

Também o Reitor da UFSM, à época, Professor Tabajara Gaúcho da Costa, e o Presidente da Câmara de Vereadores, à época, Senhor Fernando Piluski, foram figuras importantes.

Assim, percebemos que a maioria da população da cidade apoiou a nossa iniciativa, e aqui me lembro do “Lebrão”, um dos coordenadores do Movimento Sem-Terra, cujas famílias estão assentadas na nova Santa Rita, e que também nos apoiaram.

Com os trabalhadores Sem-Terra dividimos a tribuna da Câmara de Vereadores e os espaços nos meios de comunicação, em palestras nos cursos de graduação da UFSM, entre outros.

Com eles dividimos também os golpes de cassetetes da Brigada Militar, em uma ação promovida pelo Governo do Estado, onde fomos todos agredidos após uma oração pública, liderada por um dos Bispos coordenadores nacionais da Comissão Pastoral da Terra.

Em Santa Maria, ocorria o oitavo Encontro Interclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de todo o país, mas não recordo o nome do bispo. Recordo-me que era do Ceará e que pediu para que todos entregassem as suas ferramentas de trabalho, que não eram armas, como diziam os opositores do Movimento.

Aquele gesto simbolizaria a paz, que é a meta de toda a mobilização pela justiça, porém quando a últimas foices e enxadas foram colocadas no chão, a Brigada Militar novamente iniciou a agressão, batendo em todos nós, inclusive no próprio Bispo, no Deputado Marcos Rolim, em mulheres e crianças, enfim, em todos que no local se encontravam.

São marcas que ficam para sempre.

O Padre Carlos, o padre Irineu e a Irmã Terezinha presenciaram todos os nossos passos, não apenas como apoiadores, mas principalmente com atores presentes.

Antes, durante a ocupação e até hoje, eles permanecem nesta e em outras lutas, de interesse dos moradores da Nova Santa Marta.

Por nove meses permanecemos nas barracas, e neste período aprendi muito, e até imaginei como era a vida das comunidades primitivas. Ali a solidariedade, a confiança, a união e a fé naquela luta, foram as maiores lições da trajetória de minha militância política, que apenas se iniciava.

Pude conhecer minhas virtudes e meus defeitos, minha força e minha limitação, mas vi e vivi o significado da superação que as pessoas unidas em um mesmo objetivo conseguem alcançar.

Tenho consciência do papel que exercemos, eu, a companheira Sandra Feltrin, os companheiros Elço, Pedro, Santa, Elizete, Margaret, Vanderlei, e tantos outros que também foram essenciais para que as mais de trezentas famílias fossem vitoriosas naquele tempo.

As barracas permaneceram por nove meses resistindo às chuvas, aos ventos dos temporais de inverno e ao sol quente do verão.

Tínhamos cozinha coletiva, farmácia popular, guardas para vigiar e garantir a segurança dos acampados e equipes de barracas, um coordenador titular e um suplente de cada vila que tinha moradores na ocupação.

Faço aqui referência aos companheiros Vilmar (o Padeiro), Nei, Jairão, João Sanabrea, Leonel, Ivone, Serginho, Fátima e Valdeci, Dona Zila, Jorjão, Dino, Adão Quevedo e Iara, Seu Ari e esposa, Tartaruga, João Mandagaram, e todos os outros que me fogem seus nomes, mas estão na minha memória, pois os vejo: rostos e gestos, nas diversas reuniões e chamadas que fazíamos ao anoitecer.

Tínhamos equipe para todas as áreas,decidíamos tudo em assembléias às vezes por consenso outras vezes por maioria através do voto aberto. No dia em que o governo liberou os primeiros 200 lotes após muita negociações e resistência, a coordenação numerou quadra por quadra e lote por lote e colocou num saco de plástico e sorteou entre as famílias publicamente uma a uma sem privilegiar ninguém com lote melhor.Não teve amigo, não teve líder mais ou menos importante foi critérios iguais para todos priorizando os menores salários e as maiores famílias, solteiros não participaram dos sorteios.

Hoje, neste dia 7 de dezembro, repetem-se estas lembranças de luta e de suor, de sorrisos e lágrimas, que comemoram os 14 anos em que a primeira barraca foi armada nesta área que hoje abriga mais de 4 mil famílias, mais de 20 mil pessoas, ou seja, um bairro maior que muitas cidades de nossa volta. No dia 14 de dezembro, eu e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia de Santa Maria faremos aniversário. O Movimento “adolescente” completará 16 anos com suas novas lideranças, com outras lutas de nosso tempo, e em outros locais, mas com uma coisa em comum: a fé e a ação na busca pela justiça e pela igualdade de condições para todos os cidadãos.

Já a antiga fazenda Santa Marta convive com a Vila 7 de Dezembro,a 10 de Outubro,o Núcleo Central,a Por do Sol,o Alto da Boa Vista,a 18 de Abril e o Marista II todas estas vilas com Associações organizadas,Igrejas Evangélicas,Centros Ecumênicos, Escola Marista Santa Marata, Escola Estadual Nova Santa Marta e Municipal Adelmo Genro, a Creche Sinos de Belém e um povo generoso que continua sua ação por melhores condições de vida juntamente como as demais vilas adjacentes.

É legítima a reivindicação popular por melhores ruas, ruas com pavimentação, com transporte de qualidade e com tarifas que garantam o acesso a todos. Também o esgoto pluvial e principalmente o esgoto cloacal, a iluminação pública, inclusive das áreas de esporte e lazer, a Segurança Pública, a saúde e a educação de qualidade para todos os que habitam na Santa Marta, para todos na cidade, no Estado, no País e no mundo. Esta é uma meta política universal.

Quero aqui destacar que o papel que a Escola Marista exerce no contexto da região, tendo sido a primeira escola particular e gratuita, e que não só cumpre uma função de ensino de nossos filhos, mas também possui um trabalho organizativo, seja com Irmão Pedro e hoje com a atual direção e também a equipe toda que lá atua.

Fomos o Irmão Roque, o Engenheiro Centeno, que juntamente comigo e o Sr. Paulo Hemilio, liquidante da Cohab RS no dia 18 de Abril de 1995, identificamos e escolhemos a área para construir esta escola.

Pois talvez muitos não saibam que a área, onde foi construída esta escola, estava prestes a ser ocupada, pois estava inclusive no mapa marcados mais lotes e por já possuir rede de luz, foi por todos nós escolhida para sediar a escola.

Outra área indicada foi, a área verde da Avenida Mallmam Filho, hoje ainda verde e desocupada. Neste mesmo dia foi garantida a permanência das famílias que ocuparam a hoje Vila 18 de Abril.

Creio que nossas vitórias foram frutos de nossa garra determinação e despojamento da paixão e da indignação contra as desigualdades e injustiças e principalmente de nossa unidade numa mesma causa.

Hoje a Santa Marta precisa, cada vez mais, formar lideranças com uma comprenção dos problemas habitacionais como um todo, isto é, de todas as vilas.

As pessoas unidas em torno da busca de soluções e atendimento de desafios como o esgoto para todos, pavimentção de ruas estre ouros independentes dos partidos, ou seja, participem de seus partidos.

É muito importante atuarmos, porém não devemos permitir que as diferenças idelógicas e eleitorais submetam os interesses da população da Santa Marta, pois esta causa não pertence a um partido ou a uma pessoa. Pertence ao povo. Minha mensagem aos moradores da Santa Marta e suas lideranças é que transformem o interesse por melhores dias numa grande bandeira de todos e a Santa Marta terá mais vitórias para comemorar nos próximo ano. Para esta contem sempre comigo.

Parabéns a todos que lutaram, pois são vencedores!

Viva a Santa Marta! Viva a Luta por Moradia!

A luta por uma nova sociedade sem excluídos sem explorados e exploradores sempre será a nossa causa.”

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