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Caminhos divergentes: enquanto o Brasil busca paz e reconhecimento, Israel amplia ofensiva e lucra com a guerra – por José Renato Ferraz da Silveira e Gabriela Martins de Oliveira

A complexa questão da Palestina ganha novos contornos na arena internacional, com o Brasil assumindo um papel de liderança em um grupo de trabalho focado na criação das bases legais para atuar no processo de criação do Estado da Palestina e, evidentemente, o seu reconhecimento pela comunidade internacional.

Essa iniciativa, proposta pela França e Arábia Saudita, visa a realização de uma conferência em julho para selar o reconhecimento internacional da Palestina, em um movimento que reflete o crescente pessimismo de diversos países diante da escalada militar israelense em Gaza.

O governo brasileiro sustenta a tese de que a paz duradoura na região só será alcançada com a existência de dois Estados – Palestina e Israel – com fronteiras internacionalmente reconhecidas, seguros e economicamente viáveis. Ademais, a posição brasileira ecoa um histórico de protagonismo na diplomacia regional, lembrando o papel fundamental do diplomata Oswaldo Aranha na aprovação da Resolução 181 da ONU em 1947, que lançou as bases para a criação do Estado de Israel. Em 1948, Aranha chegou a ser sugerido para o Prêmio Nobel da Paz, e ruas e praças em Israel foram batizadas em sua homenagem.

No entanto, em um cenário de intensificação do conflito, as preocupações da comunidade internacional se voltam para as ações de Israel em Gaza, especialmente, após o anúncio do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de um plano para ocupar totalmente a Faixa de Gaza, como também, os deslocamentos forçados e em massa de pessoas, como já ocorreram diversas vezes durante a guerra, são criticados por órgãos humanitários e multilaterais, como a Cruz Vermelha e a ONU. A justificativa apresentada é a eliminação do Hamas e a garantia da segurança de Israel, mas a estratégia, que inclui a criação do “Corredor Morag” – uma zona de segurança que corta Gaza, isolando áreas-chave como Rafah – e a restrição severa da ajuda humanitária, tem sido interpretada por críticos como uma tentativa de limpeza étnica e uso da fome como arma de guerra. O Egito, por sua vez, rejeitou veementemente qualquer ideia de reassentamento dos palestinos em seu território.

O Custo da Vida Humana e as Acusações de Genocídio

A priori, os dados sobre as perdas humanas em Gaza são alarmantes e corroboram as acusações de uso da fome como arma de guerra e a suspeita de genocídio. De acordo com a UNICEF, a escalada das hostilidades na Faixa de Gaza está tendo um impacto desastroso, com mais de 14 mil crianças mortas desde o início da ofensiva, e um total que ultrapassa 35 mil palestinos mortos, incluindo mais de 5 mil crianças e milhares de feridos. Acredita- se que 1,7 milhão de pessoas na Faixa de Gaza – mais da metade crianças e adolescentes – foram deslocadas, enfrentando escassez crítica de água, alimentos, combustível e medicamentos. Suas casas foram destruídas; suas famílias dilaceradas. Sob essa ótica, a organização destaca que, em todas as guerras, são as crianças que sofrem primeiro e em maior proporção, e reitera que “até as guerras têm regras”, exigindo o respeito ao direito humanitário internacional e a proteção de infraestruturas civis como hospitais e escolas.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) e outras entidades têm documentado de forma consistente violações graves do direito internacional humanitário e do direito internacional dos direitos humanos por parte de Israel, incluindo ataques indiscriminados a civis, destruição de infraestruturas civis e uso desproporcional da força. A relatora especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, chegou a afirmar em seu relatório de março de 2024 que existem “motivos razoáveis para acreditar” que Israel está cometendo genocídio em Gaza, ressaltando a intenção de destruir o povo palestino “no todo ou em parte” através de atos que se enquadram na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Tais alegações, embora negadas por Israel, intensificam o debate e a pressão sobre a comunidade internacional.

Reação Europeia e Sanções Potenciais

A reação dos países europeus tem sido de crescente crítica e preocupação. Países como Reino Unido, França e Canadá, reagiram com severas críticas, alertando para possíveis sanções a Israel caso o plano de ocupação de Gaza e a expulsão em massa de palestinos avancem, considerando-o uma grave violação do direito internacional humanitário. Embora tenham divergências internas na União Europeia sobre a extensão de tais medidas, a crescente pressão da opinião pública e a gravidade da situação humanitária em Gaza têm levado a uma postura mais assertiva por parte de algumas nações. Manifestações em diversas cidades europeias têm denunciado o que muitos veem como a cumplicidade de seus governos diante das ações de Israel, exigindo um cessar-fogo imediato e o acesso irrestrito à ajuda humanitária.

A Economia da Guerra: Lucros e Custos

Em um contraste sombrio com a crise humanitária, a indústria de defesa israelense tem prosperado. A exemplo disso, a estatal Israel Aerospace Industries (IAI), uma das maiores contratadas de defesa do país, relatou um aumento de 55% no lucro em 2024, atingindo US$ 493 milhões líquidos, acima dos US$ 318 milhões em 2023. A receita da IAI aumentou 15,5%, para US$ 6,1 bilhões. Como as suas  exportações também cresceram, de US$ 3,8 bilhões para US$ 4,3 bilhões, embora sua participação nas vendas totais tenha diminuído ligeiramente. Com Israel travando guerras em várias frentes, as vendas no mercado israelense aumentaram de US$ 1,5 bilhão para US$ 2,1 bilhões, e a carteira de pedidos da IAI saltou de US$ 18 bilhões para US$ 25 bilhões, refletindo quatro anos de operação na capacidade atual. O presidente e CEO da IAI, Boaz Levy, afirmou que o ganho significativo em contratos foi um “voto de confiança na liderança tecnológica de Israel, mesmo com os desafios globais e os combates sem precedentes”.

Enquanto isso, a economia israelense, embora resiliente, também sente o peso da guerra. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, reconheceu em setembro que o país suporta “o fardo da guerra mais longa e mais cara da história do país”, com a classificação de crédito do país sendo rebaixada novamente. Os custos econômicos se espalham pela região, impactando não apenas Israel, mas também outros países do Oriente Médio, que enfrentam instabilidade e interrupção de cadeias de suprimentos.

A dicotomia entre a busca pela paz e o reconhecimento de um Estado palestino e a escalada militar com suas consequências devastadoras para a população civil, aliada aos lucros da indústria da guerra, delineia um cenário de grande complexidade e urgência para a diplomacia global. Em síntese, a comunidade internacional se vê diante do desafio de conciliar princípios de justiça e direitos humanos com os interesses geopolíticos e econômicos em jogo, enquanto a vida de milhões de palestinos permanece em risco.

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)

Gabriela Martins de Oliveira é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP). Integra como extensionista o GIDH – Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos, e atua como co-coordenadora do Coletivo Manas-RI, voltado para debates sobre os papéis de gênero nas Relações Internacionais da UFSM.

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