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Bom debate. Por que, cada vez mais, o Judiciário trata de temas supostamente do Legislativo?

Tenho lá minhas desconfianças, e até já as expus, ainda que talvez de forma esparsa. No entanto, o fato de três em quatro leis produzidas pelos nossos parlamentos terem sido consideradas inconstitucionais não chega a ser exatamente uma surpresa. Fruto, não raro, de pressões a que os parlamentares (em todos os níveis) se submetem pela proximidade com os grupos de pressão, as propostas de lei acabam saindo tortas, para dizer o mínimo. Ou demagógicas, que também são vários casos. Santa Maria já viu isso, bem recentemente, aliás.

 

Além do que, existem pelo alguns fatores que não ajudam muito. Um deles é a leniência, tantas vezes citada aqui, do Congresso Nacional – que não regulamenta preceitos constitucionais e acaba sendo suprido pelo Supremo Tribunal Federal. Vide casos do número de vereadores ou da questão da fidelidade partidária, resolvidos no âmbito do Judiciário.

 

Já nas comunas o que se vê, e Santa Maria está se especializando nisso, são projetos de origem Executiva (eventualmente uma imposição legal, como o Orçamento ou qualquer outro projeto que crie despesas) ou um festival de comendas, medalhas, sessões de homenagem etc, etc. às quais, acrescente-se, afora os homenageados, comparecem apenas os autores da idéia e meia dúzia, se tanto, de edis. E, registre-se: nada contra os festejados, invariavelmente, mas nem sempre, justamente lembrados.

 

O fato é, porém, que o parlamento precisa urgentemente se redescobrir. Ou ninguém dará mais bola pra ele, o que seria uma agressão à democracia, que não sobrevive sem o Legislativo. A respeito da interveniência do judicário, especialmente do STF, nas questões de competência legislativa, confira excelente reportagem de Rodrigo Haidar e Aline Pinheiro, publicada na revista Consultor Jurídico, e que traz muito boa entrevista com o economista Armando Pinheiro. A seguir:

 

“Justiça que legisla – Judiciário ocupa vácuo do Legislativo e do Executivo

 

Três quartos das leis brasileiras submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal em 2006 foram consideradas inconstitucionais. O número estrondoso – que faz parte do levantamento do Anuário da Justiça 2007 – comprova o que é comentado pelos quatro cantos do país: a qualidade das leis produzidas no Brasil é sofrível.

 

Para o economista Armando Castellar Pinheiro, a má qualidade da produção legislativa e da regulamentação do Executivo são as principais responsáveis pela insegurança jurídica no país. O Legislativo faz leis ambíguas, o Executivo muda as regras quando bem entende e o Judiciário fica com a tarefa de quase escrever a lei.

 

Um dos poucos pesquisadores que se debruçou seriamente sobre o impacto da Justiça sobre a Economia, Castellar observa que assim são criadas as políticas do país: caso a caso. O Judiciário vai decidindo cada processo que chega às suas mãos e a soma disso gera o que teria de ser um planejamento. “O Judiciário tem ocupado o campo de regulação por falta de trabalho dos outros dois Poderes.”

 

No final da década de 1990, o economista mergulhou em uma pesquisa para saber de que maneira o Judiciário influenciava na Economia. Descobriu que, se a Justiça fosse célere e previsível, o país poderia crescer 0,8% a mais por ano.

 

Mas não há segurança jurídica ou previsibilidade no Brasil. E, sem isso, não há investidor que não pense duas vezes antes de se arriscar. Há, isso sim, empresários que usam da morosidade judicial e da baixa taxa de juros cobrada pelo Judiciário para fazer da Justiça ferramenta do planejamento tributário. Sabem que vão perder a causa e terão de pagar a dívida, mas durante os longos anos de tramitação do processo, investem o dinheiro e obtém lucros maiores do que os juros que serão cobrados depois pela Justiça.

 

Em entrevista à Consultor Jurídico, Castellar apontou os problemas da Justiça sob a ótica da Economia e apresentou possíveis soluções. Veja a entrevista.

 

ConJur – Qual o impacto do Judiciário sobre a economia?

Armando Castellar Pinheiro  Comecei a estudar esse impacto em 1997, quando não existia nenhum estudo sobre isso. Depois de fazer pesquisa com centenas de empresas, a conclusão é de que a taxa de crescimento do PIB seria 0,8% maior se o Judiciário fosse eficiente, o que significa: previsível, imparcial e célere. Pode parecer um número pequeno, mas não é se considerarmos um período longo. Lógico que o Judiciário não é o grande limitador que impede o Brasil de se transformar em uma China em termos de crescimento, mas a Justiça poderia dar uma contribuição importante para o crescimento mais rápido do país.

 

ConJur – Mas como o senhor chegou a esse número?

Castellar – Com base em questionários feitos com centenas de empresas que tinham, pelo menos, 50 empregados. Foram feitas perguntas diversas para entender como era o relacionamento das empresas com o Judiciário. A idéia era descobrir como as empresas reagiriam se o Judiciário melhorasse: como mudaria a decisão de contratar mão-de-obra, de produzir, de negociar com o setor público, de investir em outros estados, de terceirizar as atividades.

 

ConJur –  Qual foi o principal problema do Judiciário apontado pelos empresários?

Castellar – A falta de celeridade. No entanto, em algumas áreas do Direito, como na trabalhista, cerca de um quarto das empresas considera positiva a lentidão da Justiça.

 

ConJur   – A percepção é a de que a maior parte dos empresários prefere ter uma decisão rápida, ainda que não seja favorável?

Castellar – Minha avaliação é a de que depende muito do lado em que se está. Na área tributária, por exemplo, muitos empresários usam o Judiciário como instrumento de planejamento tributário. Na área trabalhista, a lentidão da Justiça é usada como poder de barganha para forçar o trabalhador a fazer um acordo. Na área comercial, quando o Cade barra uma fusão, interessa para as empresas que a Justiça seja lenta. Enquanto o Judiciário não decide, a fusão se efetiva. Depois, fica impossível reverter aquilo…”

 

SUGESTÃO DE LEITURA – confira aqui a reportagem “Justiça que legisla – Judiciário ocupa vácuo do Legislativo e do Executivo”, de Rodrigo Haidar e Aline Pinheiro, na revista Consultor Jurídico.

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