Artigos

Distopia digital, desinformação e cidadania – por Michael Almeida Di Giacomo

O emblemático 2018 e a versão ‘brazuca’ das notícias falsas ou desinformação

Ao receber o título de doutor honoris causa em Comunicação e Cultura na Universidade de Turim, no ano de 2015, Umberto Eco enfatizou que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

O mundo ainda viria conhecer de forma mais intensa o lado sombrio das plataformas de comunicação instantânea, em especial, as redes sociais – o que fundamenta o fato de que, à época, a assertiva do filósofo italiano não foi muito bem assimilada pela grande maioria das pessoas.

Eco anteviu a distopia social digital a ganhar robustez por meio da internet.

Hoje, na verdade, a partir dos avanços tecnológicos digitais, o que realmente se nota é que a internet restou por espelhar – e até ampliar – uma realidade social que sempre existiu no modo off-line, em nossa vida “analógica”. 

Leandro Karnal, em entrevista à BandNewsTV, assinalou que no século XXI “a internet propicia que qualquer pessoa, de qualquer canto do mundo, em grau de igualdade com um especialista, expresse suas ideias sobre determinados fatos”.  E que Umberto Eco quis denunciar o fato de que “a internet divulga informação, mas não formação”. Que as barbaridades ditas por uns e outros – antes, “restavam limitadas a uma roda de cerveja ou ao ambiente familiar”.

Ou seja, em tempos pretéritos, para que você pudesse divulgar de forma ampla e acessível a diversos públicos, um discurso de ódio, agressivo, xenófobo, misógino, antissemita, homofóbico, entre outros de mesmo teor, necessitaria de um esforço de meses ou anos, e, em alguns casos, de muito dinheiro para atingir seu objetivo e arregimentar seguidores.

De forma simples, é possível dizer que alguns saíram direto das “cavernas”, outros da era “medieval”, passaram a habitar o ambiente on-line, a exteriorizar, sem qualquer escrúpulo, a falta de empatia e a intolerância na relação com seus semelhantes. 

As redes sociais, também referidas por Eco, expressam de forma nítida essa realidade.

Na presente década, para além da disseminação dos discursos de ódio, as plataformas de comunicação instantânea tornaram-se espaço fértil para a propagação “Fake News”, ou se preferir, “desinformação”.

A prática de “falsear” um fato ou criar uma narrativa inverídica – no modo on-line – tornou-se comum em muitos segmentos, como por exemplo, na lida política. Os registros dessa prática em processos eleitorais nos levam a primeira eleição de Donald Trump e, também, à campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Claro que não poderíamos ficar sem a versão “brazuca” do uso de notícias falsas ou desinformação.  Neste quesito, o ano de 2018 foi emblemático.

A extrema-direita brasileira foi perspicaz, abusou da boa-fé e da capacidade das pessoas em absorver material – de fontes nada confiáveis – sobre fraudes eleitorais, uso de recursos financeiros de forma indevida, ficção política de propostas absurdas – com o kit gay, etc…, e arregimentou um exército de messiânicos a favor de sua “causa”. Exatamente como reza a cartilha de movimentos totalitários, seja do extremo que for, à esquerda ou à direita.

Contudo, aos poucos os Tribunais brasileiros começam a cercear esse tipo de procedimento, que resta por configurar-se uma prática nefasta ao ambiente democrático e à cidadania. A cassação do deputado estadual mais votado da história do Paraná, Fernando Francischini, por ter realizado uma “live” no dia da eleição e afirmado que as urnas tinham sido fraudadas, a fim de obstaculizar a eleição de Bolsonaro, é emblemática.

Vai resolver o problema da disseminação de informações, narrativas ou notícias falsas?

Penso que não, infelizmente. Pois esse tipo de situação é inerente a própria história da vida humana em sociedade. Porém, no que se refere à política, tem-se agora um precedente legal de restrição e punição. E isto é importante para que as pessoas se deem conta que há um limite, relacionado diretamente à atenção aos princípios democráticos e às instituições da república.

(*) Michael Almeida Di Giacomoé advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a imagem (sem autoria determinada) é uma reprodução obtida na internet. Mais exatamente no portal Secad Artmed (AQUI)

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

4 Comentários

  1. Eleições? E a ‘peça publicitaria’ utilizada contra Marina Silva em eleição anterior, a comida sumindo na mesa? A mentira é afirmar que só alguns mentem e só alguns usam ‘fake news’. Deputado falou m., sem duvida, mas cassaram o voto de quase 428 mil eleitores. ‘Principios democraticos’, ‘Instituições da Republica’, como se os desmandos e a roubalheira fossem normais. A cenoura na frente da carroça, continuem puxando porque um dia melhora. França anda pela Quinta República. Brasil anda pela Sexta. Com mostra a historia, establishment cai de podre. É só cruzar os braços e esperar.

  2. Ódio, homofobia, xenofobia, etc. foram termos ressignificados pela esquerda com fins politicos. Quando um(a) militante começa a falar nisto é melhor coisa mais gratificante para fazer, deixar falar sozinho(a). Simples assim. Perder tempo com quem tem o monopolio de tudo que é ‘bom, justo, humano, etc’ não passa disto, perda de tempo. Sem falar na hipocrisia, ‘acabar com o ódio odiando, acabar com a intolerancia liquidando a vida de quem pensa diferente (sem esquecer os rotulos falsos)’.

  3. Internet só divulga informação e não formação? Depende. Obvio que é necessario conhecer no minimo o ingles. Pode-se acessar sites de diversas universidade e assistir aulas gravadas gratuitamente. Fundamentos de Biologia no MIT. Virologia do professor Vincent Racaniello de Columbia. Hematologia e imunologia na UC Irvine. Exemplos. Não dá para assimilar tudo? O suficiente para saber se estão tentando enganar. Alás, comite do Nobel costumava fazer uma mesa redonda dos ganhadores todo ano, parou com a pandemia. Logo depende do que se procura.

  4. A declaração completa é ‘As redes sociais dão a legiões de idiotas o direito de falar quando antes eles falavam apenas uma vez em um bar depois de um taça de vinho, sem prejudicar a comunidade. Eram silenciados rapidamente, mas agora eles têm o mesmo direito de falar que um vencedor do Prêmio Nobel.’ Uma declaração citada inúmeras vezes fora de contexto. A parte em que menciona os aspectos positivos da internet ‘deixaram de existir’. Ou seja, o resto da entrevista foi jogada fora. Afirmou, por exemplo, que a WEB é cheia de coisas irreais. Que a imprensa não é capaz de controlar ou analisar com ponto de vista critico sites que são utilizados como fontes de informação. Que os professores não são capazes de auxiliar os alunos a filtrar as informações encontradas na internet. Resumo da ópera: todo mundo que cita o semiologo se acha um genio, a citação está fora de contexto e a coisa toda é uma meia-verdade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo