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Verde e amarelo – por Luciano Ribas

Todas as ditaduras têm seus pecados e eles são de muitas naturezas, por certo. Nem todos são contra a vida ou possuem a dramaticidade das câmaras de gás, mas todos atingem a humanidade como um todo – por mais abstrato que isso possa ser para muitos.

Os danos, porém, são bem concretos. E não apenas quando livros são queimados ou adversários eliminados de fotografias históricas, nem ocorrem apenas sob as ordens de ditadores, digamos, mais afamados, como Hitler e Stálin. As ditaduras periféricas comandadas por generais apatetados e de horizontes curtos, como as latino-americanas, possuem também seus crimes; muitos, na verdade. Aliás, tantos que eles podem ser contados aos milhares e sem em nada ficarem devendo à crueldade dos “colegas” mais conhecidos.

Nos dois períodos ditatoriais pelos quais o Brasil passou no século XX, o de Vargas e o militar, encontramos muitos acontecimentos e atitudes que nos causam profunda vergonha. Não me cabe aqui rememorá-los, embora eu tenha a certeza de que eles devem ser permanentemente lembrados para que jamais sejam novamente cometidos. Porém, no dia em que celebramos nosso nascimento como Nação, gostaria de registrar o que penso ter sido uma das violências simbólicas mais profundas contra nossa vida coletiva, com graves consequências para a auto-estima dos brasileiros.

Os ditadores militares utilizaram-se ideologicamente do orgulho nacional, estruturando de maneira ufanista e discriminatória um discurso sobre o Brasil que, em essência, excluía ou eliminava todos aqueles que não rezassem pela sua cartilha. Um pseudo-patriotismo forçado, artificial, preconceituoso, elitista, alienado e deslocado da vida quotidiana dos brasileiros. “Ame-o ou deixe-o”, era o mote, mesmo que deixar o Brasil significasse o exílio forçado ou a morte – ou, mais singelamente, que amá-lo exigisse colocar crianças sob o sol a treinar marchas militares marcadas pelos tambores do atraso de um país que, diziam, “ia pra frente”.

Com o fim da “Vergonhosa”, entre as muitas heranças malditas ficou um certo divórcio entre o povo e suas datas mais importantes. Penso que eles, os ditadores e seus vassalos, são em grande parte responsáveis por termos ficado tantos anos distantes das comemorações da Independência, dos desfiles e das cores nacionais.

Felizmente, Castelo Branco, Costa e Silva, os “Três Patetas”, Médici, Geisel, Figueiredo e o seu golpe de primeiro de abril são passado. Novas gerações de militares fizeram nossas Forças Armadas reencontrarem seu papel constitucional e fazerem parte da vida do país de forma saudável e estratégica para a nossa soberania. O Brasil vai resgatando, ainda que lentamente, sua imensa dívida social, ao mesmo tempo em que solidifica uma democracia imperfeita, mas infinitamente mais eficiente do que qualquer ditadura. A informalidade dos brasileiros mistura-se à solenidade para que as grandes festas nacionais sejam mais populares e o verde e o amarelo cada vez mais são cores universais da brasilidade, não divisas ideológicas de grupelhos.

Eu, particularmente, tenho profundo orgulho por ser brasileiro, por viver num país capaz de eleger tanto sociólogos quanto metalúrgicos para seu cargo mais importante, que cresce em importância no cenário mundial sem atos de violência contra outros povos, que promove a integração à vida econômica de milhões de famílias através do maior programa de transferência de renda do mundo, que cria vagas aos milhares no ensino superior para serem ocupadas por quem mais sofreu discriminação, que compreende que a tecnologia do soro caseiro é tão estratégica quanto a do submarino nuclear. Vamos pra frente, sim, mas sem uma baioneta a nos empurrar.

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Um Comentário

  1. Gosto muito dos artigos do Luciano. Apenas colocaria pequenas ressalvas ao presente. De acordo com o historiador Moacyr Flores “Recebemos a independência do governante, o que se constitui num dos males do Brasil, porque primeiro se organizou o Estado e só depois a nação brasileira. Até hoje a maioria dos brasileiros não exerce sua cidadania, esperando que os governantes tudo façam.” Acrescento que o próprio Hino Nacional é quase ininteligível para os letrados (lembro que no antigo 2° Grau havia aula de interpretação do Hino Nacional), imagine então para a maioria da população. O 7 de setembro é apenas um desfile estatal. Quando setores populares tentam dele participar são enxotados pela polícia. Por fim, não me iludo muito com a “democratização da caserna”, já que essa instituição é baseada na hierarquia e na disciplina, não na democracia. Majoritariamente continuam sendo positivistas e reacionários.

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