Vivendo a vida em Viver a Vida – por Daiani Ferrari
Todas as noites tenho ficado grudada na televisão assistindo a novela Viver a Vida. Sempre gostei das novelas do Maneco (quanta intimidade!) e as assisti. Não sei se é pela proximidade com o cotidiano ou se pela beleza das tramas. Gosto delas também porque são, de certo modo, clichês. Sempre a bossa nova e imagens leves na abertura, sucessivamente um grande núcleo rico, mesmo que sejam abastados decadentes, um núcleo de pobres divertidos e a Helena meio desregrada.
Mas essa Helena está meio chata. Muito politicamente correta. Meio chatinha. Onde é que já se viu convidar o ex-marido e o ex-amor da vida para o casamento? E outra, quem em sã consciência, depois das barbaridades que ouviu da ex-esposa do marido, vai querer manter um bom relacionamento com a dita cuja? Faça-me o favor, não é?
Às vezes me pergunto o motivo que leva as pessoas (nas quais me incluo) pararem suas vidas para seguir esses folhetins por meses.
Sou do tipo que fica revoltada com as injustiças nas novelas, choro com os choros alheios, com as doenças e mortes nas novelas. Nunca esqueço o quanto chorei quando a mãe da Salete morreu, vítima de uma bala perdida no Leblon, em Mulheres Apaixonadas. Ok, eu também chorei quando a Carolina Dieckmann, que sofria de leucemia, raspou o cabelo em Laços de Família. Essas novelas nos pegam pelo nosso lado emotivo, mas também nos prendem pela nossa face mais fútil.
Ouvi de várias pessoas que Viver a Vida seria muito bonita, roupas elegantes, gente bela e magra e isso era motivo para ajudar a aumentar a audiência. Pessoas que nossa vaidade adoraria que fôssemos. Quem, por um único momento, nunca desejou ser o mais bela, a mais magra e bem vestida? Ah, mentir não vale. Aposto que no mínimo uma vez, nem que fosse lá no início da adolescência, desejou ser diferente. Talvez esse seja um dos motivos da grande audiência das novelas, sim. Tem gente que se vê na pele da Taís Araújo, Alinne Moraes e José Mayer. O que deve ter de homem se achando o José Mayer por aí não está no gibi.
Vai ver, assistir novela é uma maneira de suavizar a vida. Projetar-se no lugar dos outros ou em realidades inventadas por uma hora durante o dia não é de hoje e nem vai terminar amanhã. Cada vez mais as pessoas parecem ficar enfeitiçadas pelas novelas e querem estar dentro delas, prova disso é a moda que sai das telas e vai para as ruas. E vamos condenar? Claro que não, afinal de contas já dizia a música Dom de Iludir, de Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
“Por que vou ficar pensando agora em quantos ônibus vou ter que pegar para ir trabalhar amanhã, na hora em que vou voltar para casa, se será no meio da tarde ou só no início da noite, em quanto vou me incomodar com aquela chefe chata se posso ficar assistindo a novela e pensando em um dia ser uma Helena?”. É tosco pensar isso e vocês podem estar me chamando de tosca neste momento, mas as pessoas pensam o que acabei de escrever e querem ser as Helenas e qualquer outro personagem que as agrade.
Tudo na vida tem um preço, inclui-se, portanto, assistir novelas. Tudo não passa de uma novela.