Brasil: as olimpíadas no picadeiro – por Bruno Lima Rocha
Na sexta-feira dia 2 de outubro, o país dos extremos viveu mais um contra senso. Diante de um mundo atônito, a capital da Dinamarca fora palco do reinado brasileiro na diplomacia de tipo corações e mentes globalizadas. Detalhe, lá não estavam os chefes de Estado em Cristiânia. Era para valer mesmo. A ex-colônia de Portugal derrotara na disputa para cidade-sede das Olimpíadas de 2016 a Espanha com a capital castelhana de Madrid, ao Japão e sua imperial Tóquio e até a cidade de Chicago, berço adotivo do presidente do Império. Ainda assim, o Rio de Janeiro dos mais de 2 milhões de favelados vivendo sob a disputa do Estado, do Estado paralelo sob a alcunha de milícia (para desgraça da esquerda que cunhara esse conceito contra o militarismo) do semi-Estado das redes de quadrilhas que a mídia de sempre insiste em chamar de crime “organizado”. Pois é a antiga capital do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve quem vai sediar a festa dos deuses do Olimpo recriada para o mundo industrial do século XIX.
Diante do espetáculo do pior do Brasil, quando um ex-sindicalista que nunca foi de esquerda elogia mundialmente o homem de confiança da Adidas, o sr. João Havelange (jogador de pólo aquático que se fez cartola do futebol mundial), me vi na obrigação de constatar obviedades pouco ou nada reveladas. Vamos a alguma delas.
Recados midiáticos das mega-construtoras
Logo nas horas posteriores à vitória no Comitê Olímpico Internacional (COI), a mesma mídia de sempre começara, através de seus telejornais semelhantes, a bater na tecla da flexibilização de leis e proteções do meio ambiente. É óbvio. Se a realização dos Jogos implica em celeridade, portanto, “a lei, ora a lei”. Diante da barbárie orçamentária de lesa humanidade dos Jogos Pan-americanos na mesma cidade, estamos diante de uma situação onde tudo pode vir a ocorrer. O orçamento do Pan já foi algo de absurdo, quando estourou todos os limites de previsibilidade elevando gastos acima do que fora previsto. Por que será que nas Olimpíadas será distinto? Por passe de mágica? Sob comentários de especialistas em economia que fingem nada saber do país de Celso Furtado, chamam a atenção do “custo Brasil” e dos entraves da legislação dos “eco chatos”. Se um leitor mais atento supuser que se trata de um conjunto de chavões assimiláveis, acerta no alvo. Quem imagina que os conceitos na forma de telemensagem facilmente reproduzível, também acerta! Assim, através do absurdo de propor a ilegalidade em prol da acumulação de capital particular financiado de forma escancarada pelo Estado, recebemos a primeira mensagem dos agentes econômico-midiáticos e das cabras balindo a reprodução ideológica do sistema de dominação. “Ô abre alas porque as incorporadas e empreiteiras querem passar a patrola!” E querem mesmo.
E a “ordem urbana” do Rio, como será garantida?
No esforço do Pan, o governador tucano convertido ao PMDB chaguista para se aproximar de Lula, Sérgio Cabral Filho (ex-senador pelo PSDB eleito em 2002, antes fora deputado estadual de plumagem tucana por três mandatos), aumentou a escalada da repressão social em nome da higiene da cidade. Na ocasião, entre fevereiro e junho de 2007 (um mês antes do Pan) as forças da “ordem” promoveram a morte de 1238 pessoas e 788 feridos. Na maioria dos casos, não houve sequer inquérito e menos ainda cobertura jornalística. O enunciado simples: “a polícia matou não sei quanto traficantes ontem no Morro tal…” e já está resolvido o problema de investigar os crimes de Estado. Agora, que o Brasil está por cima da carne seca dos bens simbólicos mundiais, o que virá por diante?
O pior do Brasil transmitido para o mundo
O governo de Lula, o mesmo que cortou em 85,69% o orçamento do Ministério do Esporte (ME) para 2009, comemora a realização de uma Olimpíada no Brasil. Entramos em júbilo quando o Rio de Janeiro foi eleito como cidade sede das Olimpíadas de 2016. O presidente fez-se acompanhar por um verdadeiro séquito de atletas, ex-atletas, dirigentes esportivos, personalidades, ministros e políticos no exercício do mandato. Como já disse acima, era o pior do Brasil reunido. Políticos de duvidosa trajetória disputavam pixel a pixel a pose de papagaio de pirata do ex-metalúrgico quem encarna o sonho americano. A euforia emplacou sob a batuta de Lula e Carlos Arthur Nuzman, com a áurea de Pelé vestido como Édson Arantes (o mesmo da verba da UNESCO que sumira); contando a legião de presentes com direito ao “bispo” e senador neopentecostal Marcelo Crivella (PRB do RJ), do ex-homem de confiança de Orestes Quércia, o presidente da Câmara Michel Temer (PMDB-SP) e do Udenista travestido (um migrante de legendas assim como seu ex-mentor César Maia) chamado Eduardo Paes (agora no PMDB chaguista), prefeito do Rio. Para apimentar o baile, levaram a Mr. Meirelles, o encarregado do sistema financeiro para pregar a ordem a partir do Governo do Copom que o tem como Executivo-Chefe do Brasil S.A. Este declarara como fonte fidedigna às estimativas do Banco Mundial (sim, este mesmo) prevendo o Brasil projetado como a 5ª economia do mundo em 10 anos. Com tamanha equipe, a trupe se sentia em casa. A glória atingiu a todas e todos. Autoridades choraram copiosamente e cantaram com desenvoltura. A empolgação de muitos é a acumulação de poder e recursos de alguns.
Um país olímpico sem esporte de base
Se não fosse tão crítico, poderia crer no quesito celebração, e tudo estaria quase “perfeito”, caso não faltasse o principal elemento. Na festa olímpica brasileira, faltou o direito ao esporte. Logo após o anúncio acompanhei toda a mídia possível, com especial atenção aos críticos da realização dos Jogos. Não foram poucos e todos com alguma fundamentação bem razoável. A preocupação majoritária, muito justa por sinal, era a de superfaturamento das obras no Rio, a julgar pela balbúrdia no Panamericano de 2007, com previsão inicial de gastar R$ 720 milhões, passou os R$ 4 bi no torra-torra de final de prazos.
Mas os críticos se ativeram nos problemas de corrupção de fazer dos Jogos Olímpicos uma instrumentalização do governo que se vai. Infelizmente, nenhuma palavra foi dita a respeito do Ministério do Esporte (ME), seu orçamento ínfimo e da ausência do esporte olímpico como base da educação física brasileira. Trata-se de um problema de fundo estrutural e não vejo autoridade neste governo de turno ou nos anteriores com disposição para aí intervir. O pior, a ausência de exercício do ato de governo não me espanta.
O Estado brasileiro faz tudo ao contrário. A educação para o desporto não deveria ser uma atividade vinculada somente à Secretaria Nacional de Esporte Educacional (SNEED), órgão da pasta comandada pelo homem da cota do PC do B no 1º escalão, o ex-presidente da UNE, Orlando Silva Jr. Mas, o esporte de base, teria de ser parte do orçamento do Ministério da Educação (MEC). Subordinadas ao ME, as práticas desportivas ficam restritas a ações de tipo terceiro setor e repartindo as migalhas de um orçamento que, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), em março deste ano foi reduzido de quase nada a nada, passando de R$ 1,37 bilhão para míseros R$ 196,8 milhões. Dentro deste parco recurso está a SNEED com os programas Segundo Tempo (com extensão para o Recreio nas Férias) e Programas Esportivos Sociais (PES projetos especiais para criança e adolescente). Ambos têm como base parcerias de entidades privadas, sendo que o PES é essencialmente financiado pela isenção fiscal. Ou seja, se não há universalização, não há política pública. E viva o terceiro setor e a terceirização (me perdoem a redundância) forçada por parte das autoridades constituídas no regime liberal-democrático!
Estas atividades não deveriam passar pela via crucis de editais e entidades proponentes, mas sim existirem como disciplinas de contra turno da rede pública de ensino fundamental e médio. Se a prática de modalidades olímpicas é um direito, a juventude brasileira não poderia jamais ser vista como “público alvo” de projetos terceirizados. Ou a nação assegura esse direito através da motivação pelo empreendimento olímpico, ou não resolveremos este problema jamais. É a partir de agora ou nunca.
Apontando conclusões iniciais
O país não tem esporte de base e nem acesso como política pública ao esporte educacional. É obvio que se o COI fosse sério como movimento olímpico deveria exigir medidas de universalização do esporte na infância e na juventude. Além deste problema estrutural, a realização das Olimpíadas no Rio vai implicar uma tentativa de re ordenamento urbano (para as áreas mais carentes em rota de colisão com os Jogos) e ao mesmo tempo uma investida já iniciada de desordenar todo o possível para atender a especulação imobiliária.
Já como projeção política, vê-se o lobby das empreiteiras e de especuladores já jogando pesado, tendo como interlocutor a quase totalidade da mídia corporativa de circulação nacional. Daí virão “futuras sobras de campanha” regadas a balde cheio. Não podemos nos esquecer que 2016 é ano eleitoral, implicando na sucessão da sucessora ou opositor de Lula. Que me desculpem os artistas de circo pela comparação injusta, mas o picadeiro está montado sob uma lona de ver estrelas pelos seus buracos.
Bruno Lima Rocha ([email protected]) é cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista graduado pela UFRJ; docente de comunicação da Unisinos e é editor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br).
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