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HISTÓRIA. Walter Trein e a última viagem de Dom Ivo Lorscheister a sua terra natal, São José do Hortêncio

Recebi de Walter Trein, gerente geral da Agência Dr Bozano do Banrisul, mais que testemunho pessoal, o que já seria importante, um documento histórico – e que, nessa condição, merece ser lido e avaliado por todos. Trata-se da última viagem (feita em fins de 2006) de Dom Ivo Lorscheister, Bispo Emérito de Santa Maria, morto em 5 de março de 2007 – e cujos 3 anos de desaparecimento foram lembrados esta semana.

O texto de Trein (que autorizou a publicação nesse sítio), acrescido de frases ditas por Dom Ivo, é, certamente, um legado. Convido todos à leitura – independente de credo, não há como negar (nem é o caso) a importância fundamental para o Brasil do último quarto do século passado, que teve o ex-bispo da boca do monte. Acompanhe. Garanto que vale a pena. A seguir:

 “PROFETA DA ESPERANÇA-NOSSO AMIGO ESPECIAL”                  

ÚLTIMA VIAGEM DE DOM JOSÉ IVO LORSCHEITER A SUA TERRA NATAL

SÃO JOSÉ DO HORTÊNCIO, 15 DE NOVEMBRO DE 2006

Dom Ivo Lorscheister, o profeta da esperança

Histórica e afetuosa viagem a São José do Hortêncio, realizada em 15.11.06, comentada com palavras que brotaram das vertentes da alma e de lá trazidas para o papel, como pedras brutas sem ornamento, dentro da simplicidade que caracteriza o perfil dos passageiros ou dos viajantes.

Minha esposa Ana e eu tivemos a graça divina de levar o querido Dom Ivo e a estimada Irmã Cecília até nossa terra, São José do Hortêncio, terra natal do mesmo e onde nasceram meus ancestrais.

Com a naturalidade e a simplicidade de Dom Ivo, que nunca esqueceu suas humildes raízes, suas modestas origens, farei o registro, com estas mesmas virtudes natas de Dom Ivo.

Em 15.11.06, por sugestão de nosso inesquecível Dom Ivo, inclusive, cutucado várias vezes pela Irmã Cecília, a mando de Dom Ivo, pois esse assunto da viagem, para visitar nossos parentes e familiares comuns nasceu de Dom Ivo, que disse para mim que conhecia várias famílias com o “sobrenome” Trein em São José do Hortêncio. Desde então, alimentamos a esperança dessa viagem, às vezes deixada de lado, mas lembrada a todo momento pelo Dom Ivo à Irmã Cecília, pedindo que me telefonasse a respeito.

Partimos de Santa Maria as 7h do dia 15.11.06. Dom Ivo, irmã Cecília, Ana e eu, dirigindo o meu veículo, viagem que, como disse, falada, lembrada, planejada com incrível expectativa por Dom Ivo, como ansiedade de criança quando alimentada por uma promessa. Enfim, a viagem aconteceu, maravilhosamente abençoada pelas orações de todos.

Na ida, entre nossas “falas”, alguns fatos pitorescos ocorridos merecem registros: na altura de Montenegro, Dom Ivo, recomendou-me que entrasse numa via secundária, para melhor entender, num desvio da estrada principal, para me livrar do pedágio; uma vez que eu ofereci a ele essa viagem, para mim e a Ana, foi um momento de singular beleza, essa preocupação de Dom Ivo, pois não queria onerar nossa viagem.

Ainda na viagem de ida, uns fatos curiosos: encontramos uma enorme aranha, possivelmente caranguejeira, atravessando a rodovia asfaltada, uma cobra verde no acostamento e, na região urbana de Montenegro, um cavalo morto, também no acostamento; quando disse ao Dom Ivo: “que a nossa reza” não estava resolvendo muito, ele incontinenti e categórico me afirmou: é um ótimo sinal!

Surpreendeu-me que Dom Ivo notou, mesmo estando com o banco inclinado, mantendo-se sempre com a mesma postura, ou seja, não se movia e não se mexia.

Walter, sua esposa Ana e o bispo. Com irmã Cecília, parceiros naquela viagem de fins de 2006

Ao estacionar para esticar as pernas e tomarmos um café ou água mineral num restaurante, coincidência, quando veio à tona entre diversos outros assuntos, o nome da pessoa de Dom Hélio, Bispo Diocesano de Santa Maria, oportunidade em que Dom Ivo apontou para uma montanha (morro) dizendo-nos: O Dom Hélio já escalou aquela montanha e agora está se preparando para escalar o Pico do Everest”.

Seguimos e, enfim, chegamos a São José do Hortêncio. Procuramos colher informações numa residência, e, para surpresa nossa, o informante era da família Trein; quando perguntamos a ele pela residência da Família Lorscheiter, ele mostrou-nos o local e repetiu, eu sou da família Trein. Eram emoções sucedidas de emoções!

Rever nossas famílias foi ótimo. Ali estavam nossas raízes, germinando e frutificando saborosos frutos humanos, a serviço de Deus, do próximo, da ordem e do progresso.

No almoço na casa dos nossos familiares, Lorscheiters e Treins, sorrisos e emoções, irrigadas por lágrimas e orações, reencontros, sorrisos e felicidades estavam acumulados em nós quando, nesse clima afetuoso, li o cartão que meu filho Babinton escreveu para nosso casal em 1996, naquele período de vida em que me encontrava envolvido com o álcool. Momento de silêncio e emoções. Graças a Deus e à minha família, estou livre daquele martírio, daquele flagelo, que foi esquecido para sempre. Ali, a solidariedade estampada na face de cada um e de cada uma, manifestava-se advinda das nascentes de seus corações, ornados de compreensão de bondade.

Deixe-me fazer alguns  comentários, das coisas vividas, olhadas, sentidas e que não podem ser “perdidas nas entrelinhas” da história e nem da vida, pois aqueles momentos foram, sim, marcantes e históricos, diga-se perenes…

* Lembrei da coluna escrita no Jornal A Razão, pelo Pe. Xiko em 25.03.06, quando registrou “Dom Ivo, Pastor das Bem-Aventuradas”, parênteses que abro, pois, realmente, a vida de Dom Ivo, escrito que aconteceu “pós-morte”, as que retratam a trajetória desse Apóstolo da Esperança.

* Cito que Dom Ivo recebeu da UNIFRA a distinção de Doutor Honoris Causa, como líder da Igreja Católica e dando-nos um testemunho de fé e amor à vida humana. Não se incomodem, quem ler este relatório, como disse, vou registrando o que a alma dita, que chamo carinhosamente e sem pretensões nenhuma de “salada-de-frutas” literária, pois estão guardadas nas prateleiras da minha memória.

* Como é bom rever as fotos tiradas lá em São José do Hortêncio, lá com os familiares Treins e Lorscheiters, onde almoçamos todos juntos à sombra de estrondosas árvores centenárias, tendo as pequenas elevadas como fundo, onde o gado pastava, as plantas, as casas no estilo colonial alemão, o pequeno riacho, o poço, o forno de tijolo, matos, montanhas, morros, superfície, árvores outras espalhadas, pássaros cantando, sol e sombra unidos, cerca de pedra, colonos com seus carroções a bois, roupas surradas, casas antigas, galpões, mas tudo dentro de uma organização de singular beleza. Ah…  estava esquecendo dos jardins! Uma das grandes características da colonização alemã, as flores. “As flores são o sorriso que o imigrante alemão nos oferece, uma vez que em seu rosto o sorriso é bastante ausente, então ele sorri através das flores, por cultivar maravilhosos jardins”.

* Registro o carinho e o interesse de Dom Ivo por seus familiares e conterrâneos e, muitos, para alegria dele, contemporâneos seus.

* Após o almoço, a Irmã Cecília, maravilhosa servidora de Deus e a Serviço de Dom Ivo, como sua enfermeira, preparou-lhe a cama para a sua costumeira sesteadinha, por 15 minutos, que somente o fez após algumas broncas, sem antes comer o seu docinho, pois não iria vir a sonhada viagem a São José do Hortêncio, para dormir, pois queria saciar a sede dessa saudade que não lhe dava tréguas, de sua terra natal e de sua gente, onde guri, possivelmente, brincava como os demais e com bodoque nas mãos, caçava passarinhos para “se alimentar deles”, colhia pitangas, o famoso ariticum, guabiju, guabirova, vassouras de carqueja para a mãe usar no forno, quando fazia pão caseiro, e, depois de retirar o pão, aproveitava o calor do forno para as rosquinhas e o amendoim, a batata doce, os suculentos merengues, coisas que jamais serão esquecidas.

Lembro-me do churrasco na casa dos Mohr, primos de Dom Ivo, no pátio da casa à sombra das árvores, com o ventinho nos acariciando, pois o calor era intenso; eles os Treins e Lorscheiters, afetuosos, felizes e encantados com a visita de Dom Ivo, uma das maiores autoridades católicas do Brasil. Muitos de seus contemporâneos eram pastores, sendo que um ele foi visitar, mas também tinha ido viajar, o que lhe deixou bastante triste.

* Trago aqui coisas das quais a gente vai se distanciando, mas que quando consegue ver e conviver novamente, faz retornar aos velhos “idos tempos de outrora”, como presenciar os “aventais” utilizados pelas damas e cavalheiros na cozinha, aquele paninho de chão, o paninho da pia, o fogão sendo “ariado” com pedaço de tijolo pelo casal, aquele “ferrinho”, na frente e nos fundos da casa, para retirar o “barro dos calçados”, aquele “cano de funilaria”, utilizado acima dos telhados, para dar escoamentos à fumaça que vem do fogão à lenha, às vezes escura, às vezes branca, como descrevem os Cardeais na escolha do Papa. Como é admirável um cano de fogão saindo fumaça, levada pelo vento. E como descrever tudo?

* Confesso-lhes, eu à distância, observava o encantamento de Dom Ivo, ao ver tudo isso “silenciosamente”, mas constatava que sua felicidade transbordava.

* Dom Ivo ficou extremamente sentido por não poder visitar a sua irmã na cidade de Feliz, devido à elevada temperatura, um calor brutal realmente.

Repetindo, saímos em frente ao Bispado as 7h, chegamos em São José do Hortêncio por perto das 11h e de lá retornamos, chegando aqui as 17h30min. Em tudo, Dom Ivo se utilizava da oração, seguido das palavras que costuma dizer a todo momento “Bom-Bom-Bom”, pedindo que fizéssemos um comentário a respeito da viagem, daquele povo querido, de São José do Hortêncio, de nossa “Turma”, depois de ouvir-nos “que Deus os abençoe”.

Não posso deixar de registrar que, no retorno, ao sair de São José do Hortêncio, como eu vinha dirigindo, fiz-me que esqueci do “atalho” ou daquele “desvio” da estrada, para evitar o pedágio, mas Dom Ivo, atento, lembrou-me e me fez seguir pelo desvio, para evitar o pagamento do pedágio.

Obrigado Irmã Cecília, por tudo que representou para Dom Ivo;

Obrigado a Ana, minha esposa, por sua aproximação do Banco da Esperança, que a levou à casa de Dom Ivo, colocando-o em nossos caminhos;

Obrigado Dom Ivo. Deus-Pai o colocou, sim, em nossas vidas, dando a ela um novo sentido, iluminando-nos com o seu sorriso, colorindo-a com o seu falar cheio de espiritualidade. Dom Ivo será, para nós, terna e eternamente, um farol, uma bússola a iluminar, a orientar nossos passos, mostrando-nos caminhos, animando, abençoando-nos, apontando horizontes, onde brilha e reina o amor, a paz, o perdão e a esperança.

Lembro-me, Dom Ivo: “Graças e louvores sejam dados a todo momento ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento”.

Dom Ivo, sua presença estará sempre em nós, em nossas vidas, em nossa saudade, no seu sorriso, no seu olhar por cima dos óculos, no seu testemunho de vida e nos seus repetidos “Bom-Bom-Bom”.

Santa Maria – RS, cinco de abril do ano de dois mil e sete.

Walter Trein, ex-Gerente Geral-Ag.Dores, atualmente, Gerente Geral Agência Banrisul Dr. Bozano. Assunção nesta agência desde 01/01/2010.

PALAVRAS DE DOM IVO

Seguem-se palavras de Dom Ivo Lorschister, colhidas e anotadas por Walter Trein:

Frases que ficaram marcadas para a eternidade ditas por Dom Ivo, classificando-as no meu julgamento na seguinte ordem:

1) a defesa dos direitos ou valores flagrantemente violados pela polícia, o sacerdote não só tem o direito, mas o dever de se manifestar;

2) Eu fui a lugares que Deus queria que eu fosse. Não me preocupei com carreirismo;

3) Quem não criticado algumas vezes e não sofre alguns dissabores, é um omisso, um alienado;

4) As acusações dos dois lados-inovador e progressista me deixaram tranqüilo;

5) A democracia brasileira não pode ser apenas política, tem de ser social e econômica;

6) Sou otimista mas não ingênuo; e por último entre tantas outras,

7) Mesmo parecendo retrógada, a Igreja tem de defender a vida.

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