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ARTIGO. Valdeci Oliveira e o novo Código Ambiental

Novo código ambiental: depois não adianta chorar pelo “leite” derramado

Por VALDECI OLIVEIRA (*)

O tratamento que o governo do estado está dando a uma das principais pautas da atual conjuntura mundial nos mostra o tamanho do descaso e a da irresponsabilidade com que o atual chefe do executivo gaúcho tem com o conjunto da população do nosso estado. Enviada pelo Sr. Eduardo Leite ao Parlamento estadual no final de setembro, a proposta do Executivo para a criação de um novo código ambiental no estado altera, nada mais nada menos, do que 480 pontos de uma legislação que vigorava desde o ano 2000 e que fora, ao contrário das mudanças agora propostas, amplamente discutida e debatida, tendo sido construída com a contribuição de diversas organizações da sociedade civil.

E o argumento hoje utilizado para isso, nas palavras do próprio governador em nota oficial, é “um melhor equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico”. Sinceramente, depois das inúmeras mostras de que o seu governo advoga pelos interesses do chamado mercado, do grande latifúndio e daqueles que praticamente vivem numa realidade distante da vida real da imensa maioria da população, fica impossível acreditar em cada uma dessas palavras.

Não bastasse a grande quantidade de alterações propostas, perto de quinhentas, e que irão interferir e modificar profundamente o regramento hoje existente, o governo enviou, no dia da votação da proposta, na última quarta-feira (11), uma emenda com outras 74 alterações em relação ao que originalmente encaminhara ao parlamento. Se houve pouco tempo para analisarmos todo o conjunto do primeiro projeto, menos ainda tivemos para essa, que chamamos de “emendão”.

Somente a leitura das 18 páginas que traziam essas emendas durou perto de duas horas e num ritmo tão frenético que mal era possível compreender o que era dito pelo relator. Quem pode acompanhar a sessão plenária pela rádio ou tv da Assembleia, teve a nítida sensação de que estava ouvindo a narração de uma corrida de cavalos num turfe qualquer, e não um conjunto de propostas a uma área tão sensível e importante como é o meio ambiente.

A maneira como foi encaminhada a proposta, de forma açodada, apressada e sem a devida discussão, que por possuir maioria parlamentar foi imposta pelo governo aos partidos de oposição, gerou protestos de inúmeras entidades civis que lutam em defesa do meio ambiente. Mas não somente essas. Estamos falando de entidades como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Clube Amigos da Terra, Instituto de Biociências da UFRGS e até mesmo a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Todos, sem exceção, defenderam mais tempo para o debate, levando-se em conta a quantidade de alterações em um tema tão importante e sensível.

Não se trata de sermos simplesmente contra. O que defendemos, pela nossa própria segurança, é um debate qualificado, transparente e que reúna a opinião das mais diferentes posições. Concordamos sobre a necessidade de modernizarmos a legislação, mas não da forma como ela se deu. No momento em que todo o estado está com suas atenções voltadas ao pacote que retira direitos, achata salários e destrói planos de carreira dos trabalhadores e trabalhadoras estaduais, o que o Rio Grande irá ganhar com essa pressa absurda e extremamente irresponsável?

Por mais que o digam o governador e os deputados e deputadas que aprovaram o projeto, da forma como está a matéria, não há proteção do meio ambiente, não há segurança às populações ribeirinhas, não se assegura a manutenção de áreas protegidas e muito menos se garante alimento saudável na mesa das pessoas. Esse é o fato concreto.

Um governador que viaja tanto para o exterior deveria saber que, em qualquer país do mundo, o debate sobre a questão ambiental é uma pauta central para a população como um todo. O projeto do governo, entre outros pontos, faz desaparecer os estudos prévios na questão do licenciamento ambiental. E em determinados casos, inclusive, o empreendedor pode dizer o que vai fazer, irá receber a autorização para isso e somente depois é que o estado vai ver se houve algum tipo de problema ou não. Mas a questão é que na área ambiental existem situações em que não há correção. Brumadinho não tem correção. Mariana não têm correção. Óleo no mar não tem correção. Vidas pedidas não têm correção.

O meio ambiente – sua proteção e sua sustentabilidade – nunca esteve tanto em evidência como nos últimos anos. E não é para menos. Por mais que muitos neguem a existência do efeito estufa, da mesma forma que acreditam que a terra é plana e tudo não passa de uma grande conspiração comunista, a exploração desenfreada dos nossos recursos naturais, a poluição dos rios e mares, a produção de lixo, a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento das nossas florestas e as altíssimas cargas de liberação de gás carbônico em nossa atmosfera têm trazido resultados catastróficos para o clima e a vida em nosso planeta. O Brasil, e o Rio Grande do Sul em particular, não está imune aos resultados advindos desse processo, muito menos pode se desresponsabilizar por ações que venham a contribuir negativamente nesse cenário.

O cenário é tão preocupante que chegamos ao ponto de não sabermos o que é pior, se o pacote contra os trabalhadores e trabalhadores do serviço público, que invariavelmente, lá na ponta, irá afetar negativa e prejudicialmente o acesso das pessoas à educação, à saúde e à segurança, ou o atropelamento do debate sobre a proteção ambiental.

Mas de uma coisa eu tenho certeza. Chamada de pirralha pelo presidente Jair Bolsonaro, a menina sueca Greta Thunberg, 16 anos, tem muito mais coragem e muitíssimo mais a ensinar tanto ao mandatário do nosso país quanto ao governador do nosso estado.

(*) VALDECI OLIVEIRAque escreve sempre à sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

OBSERVAÇÃO DO EDITORa foto que ilustra este artigo, de Vinicius Reis (Agência de Notícias da AL), é da votação, quarta, do projeto que aprovou o projeto do Novo Código Ambiental gaúcho.

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