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É CINEMA. Bianca Zasso e a animação candidata ao Oscar que é mais do que uma mão à procura do corpo

A mão sobre o mundo

Por BIANCA ZASSO (*)

As possibilidades criativas da Sétima Arte são inúmeras, ainda mais quando a proposta é trabalhar com liberdade mesmo em gêneros mais clássicos. No entanto, algumas narrativas parecem destinadas a ganharem as telas por uma determinada técnica, sejam por questões orçamentárias ou intenções artísticas de seu autor.

A história de Perdi Meu corpo, estreia em formato longa-metragem do diretor francês Jéréme Clapin, poderia ser realizada com atores e locações. Exigiria alguns efeitos especiais? Sim, mas nada absurdo. Então por que fazer uma animação? A resposta é uma palavrinha curta, mas muito necessária quando falamos de atingir em cheio o espectador: poesia.

A sinopse básica, porém insólita, de Perdi Meu Corpo é a trajetória de uma mão que escapa de uma espécie de hospital para reencontrar o corpo do qual um dia fez parte. Aos mais conservadores no quesito roteiro, esse pequeno resumo pode ser associado de modo natural ao cinema de horror. Mas não estamos no terreno do medo. Pelo menos não do medo mais comum nas telas, que envolve morte, monstros e outras coisas repugnantes.

Naoufel, o jovem dono da mão perdida, nos é apresentado de forma paralela ao seu membro, fazendo com que quem chegue atrasado ou distraído na sessão demore um pouco para associar um ao outro. Órfão, ele cresce com uma família adotiva errante e só tem a própria sensibilidade para encarar o trabalho de entregador de pizza.

Temos um protagonista dividido em dois: a mão e o resto. De forma sutil, o filme apresenta as semelhanças entre essas duas partes de um mesmo ser. Há extrema delicadeza nos flashbacks sensoriais da mão, desde os primeiros toques até a sensação da areia escorrendo entre os dedos.

Em seus primeiros momentos, Perdi Meu Corpo conquista mais pelas lembranças universais que apresenta (quem nunca se pegou rememorando uma sensação, um cheiro, uma textura?) do que pela estranheza de seus personagens.

E por falar deles, há gente demais. A produção perde bastante de seu fôlego e magia quando direciona sua atenção para a paixão de Naoufel por Gabrielle, garota que ele conhece em uma noite chuvosa quando ainda entregava pizzas.

Apesar desse fato ser o responsável pela principal reviravolta na história, o tempo dedicado às peripécias do garoto para se aproximar. Algo que poderia ser revolvido em duas cenas, assim permitindo dar espaço para mais momentos de reflexão de Naoufel e no acompanhamento da odisseia de sua mão, toma boa parte do filme, beirando à pieguice em determinadas escolhas visuais.

Escolhas essas que destoam da elegância na construção das cenas em que a mão sobrevoa a cidade em um guarda-chuva levado pelo vento ou encara ratos nos trilhos do metrô.

A montagem, assinada por Benjamin Massoubre, explora todos os detalhes de situações cotidianas que, observadas com cuidado, são a graça do mundo. O corpo de um bebê no banho, a farpa que fere o dedo, o sangue que escorre.

Em paralelo, a força dos sons que Naoufel registra em seu gravador e o poder de trazer à tona toda sua infância, nos faz embarcar em uma viagem única, porém interrompida de tempos em tempos para registrar a paixonite dele por Gabrielle.

Indicado ao Oscar de Melhor Animação em Longa-Metragem, Perdi Meu Corpo vai atingir um bom público e até render assunto em mesas de bar mais por conta de estar disponível em uma plataforma de streaming popular do que por concorrer à um troféu.

Mas a importância de levar aos mais leigos a oportunidade de descobrir que animação não é apenas “filme para crianças”, mas uma técnica que se mostra aberta para temáticas filosóficas e adultas, já é uma vitória e tanto.

Talvez um curta-metragem, abordando apenas a jornada da mão até seu corpo perdido fosse uma opção mais barata e intensa. Mas temos um belo longa de animação a um botão de distância. Aproveitemos essa magia.

Perdi Meu Corpo (J’ai Perdu Mon Corps)

Ano: 2019

Direção: Jérémy Clapin

Disponível na plataforma Netflix

(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009.  Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.

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Um Comentário

  1. Resumo: animação é um festival de clichês com personagem chupinhado da Família Addams.
    Dica para quem não ficou sabendo. Na Colombia criaram um streaming de filmes de alguns países da América Latina. Dei uma olhada rápida, não me cadastrei. Nome é Retina Latina. Não tem filmes tupiniquins, quem sabe no futuro. Ou quem sabe apareça algo parecido aqui. Aparentemente é grátis.

    https://www.revistabula.com/28049-plataforma-de-streaming-gratuita-disponibiliza-filmes-da-america-latina/?fbclid=IwAR3FATiU6kWfFFtJnG1Vnn39F78FU4LebFsUxeGLeo6rUIQailqifnEq4bM

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