Menino “traficante” – por Débora Dias
Fiz um ensaio sobre outro tema, um tema mais “leve”, percepções do cotidiano, mas acho que vou deixá-lo para outra oportunidade, porque há um assunto que há uma semana está literalmente martelando em minha cabeça desde quarta-feira passada, dia 8 de junho.
Nesta data, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente junto com o Quarto Distrito Policial fez uma operação no conhecido “Beco do Beijo”, Camobi, com o objetivo de apreensão de drogas, armas e objetos furtados. A DPCA envolveu-se na investigação porque tínhamos notícias da participação de muitos menores nos delitos cometidos na área. Assim, a operação resultou com três presos maiores de idade, por tráfico, receptação, receptação/posse ilegal de arma de fogo e, com um menor de 13 anos de idade, foram apreendidas 13 pedras de crack. O menino, quase criança, confessou que “vendia” a droga, é usuário e provavelmente trafica para sustentar o vício.
Olhando o menino desajeitado, de cabeça baixa, que presta depoimento em um dos cartórios da Delegacia de Policia percebo que tudo falhou. A família falhou, a educação falhou, o Estado falhou e restou ao “pequeno traficante”, em uma manhã fria, prestar depoimento em uma repartição policial. O menino, sentado, está acompanhado da mãe, presente e omissa, ausente, indiferente(?). Esse garoto foi pego dormindo do lado de fora do barraco da família, com outro adolescente, e provavelmente não sentiu os efeitos do frio devido à ação do crack.
Pergunto à mãe se ela sabia que filho estava dormindo do lado de fora da casa, ela responde que sim, “faz dias”, mas “ele preferiu assim”. Ao garoto é dito que provavelmente vai ser internado, já que ele esteve envolvido em outras ocorrências policiais e ele responde que não se importa, que prefere porque está “cansado de ficar na rua”.
Meu Deus! Não tem como não deixar a todos na sala perplexos, um menino de 13 anos que dorme ao relento e prefere não ter mais liberdade porque está cansado da vida que leva, provavelmente das dificuldades, da pressão do traficante maior. Pergunto o que estamos fazendo com nossas crianças e adolescentes? O que cobrar de uma mãe omissa, ausente, que parece não ter muito a dar nem a ela mesma (fruto também de ausências); uma mãe com deficiência de valores em uma sociedade também deficiente de valores.
O crack é um problema de extrema gravidade, de saúde pública, que exige medidas enérgicas, urgentes, do qual decorrem inúmeros outros problemas como roubos, furtos, homicídios, tráfico, etc. Ao traficante, prisão e talvez penalidades devam ainda ser mais rígidas e diferenciadas para os que usam crianças e adolescentes como instrumento de sua cobiça.
O menino/criança, que enquanto prestava depoimento na delegacia preocupava-se com o jogo de futebol que tinha combinado, e tantos outros meninos do “Beco do Beijo” e de tantos outros becos de nosso imenso Brasil, precisam de atenção, de políticas públicas efetivas, de vontade política, além dos palanques eleitorais, precisam que a lei seja cumprida!
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. ( Art. 5º, da Lei n. 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente)
Nobre texto, triste realidade! Parabéns Débora
Quando vi esse comentário,Del Débora, amiga, me senti impotente, chateada, fraca, pois a vida realmente depende de cada um, ou de vários!!!!, como saber???. Quando criança meu pais cobravam, estudo e educação e, às vêzes nos davam uns ‘corretivos”. Não tinha o ECA, Lei para proteger as crianças e, nem o Estado se envolvia com as “coisas domésticas”.Em fim, nostalgia aparte, mas hoje educo meu filho com princípios, dos que apreendi. tenho medo de errar. Será que essas crianças e mães do desamparo, não pensaram um dia que, a vida passa e, que tanto as mães e as crianças e adolescente cansaram de ragir com o desfavor dos princípios. Cadê o ENTE (Estado), para ampará-los, não só dando cesta básica e a Escola turno integral…. vale a pena viver, sempre. E, parabéns pelas colocações do texto foram eloquentes. abraço
Lindo e emocionante o texto. E cobrar de quem que a lei seja cumprida?
Impossível não ficar perplexa com a realidade que se apresenta aos nossos olhos e nos convida a sair da inércia.
Belo artigo, delegada Débora. Nosso país ainda tem uma grande dívida a resgatar com os direitos humanos, sobretudo das pequenas vítimas de uma sociedade formada em 500 anos de egoísmo e exclusão, que só recentemente começou a mudar essa situação. Parabéns!
Muito bom o tema. Principalmente se trazido a tona por uma delegada de Policia que certamente esta acostumada a vivenciar situações como esta. São as degradações da nossa sociedade, evidentemente de conhecimento de todas as esferas da administração publica e que porém nao dão a devida importancia sobre estes fatos. Num pais em que os nossos representantes eleitos nao fazem mais do que brigar por cargos e comissões nada mais nos surpreende, gastar o dinheiro publico com questoes sociais rende poucos votos. Nem bem o cara assume a cadeira e ja esta trabalhando para a reeleição.
Boa Dra Debora quando uma voz se levanta pode trazer consigo muitas outras vozes e com isso reunir forças para que alguma coisa possa mudar em favor destas pessoas menos favorecidas.
Mas a Dra sabe que a forma de tratamento e as pessimas condiçoes das instalações carcerarias e das casas de recuperação nao ajudarao a melhorar a vida, a estima e recuperação destes brasileiros e brasileiras para o convivio social.