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Quantas tragédias mais até que a virada de chave aconteça? – por Valdeci Oliveira

“O desenvolvimento não pode ficar restrito à busca do lucro a qualquer custo”

Quando nos deparamos com catástrofes naturais – conceito cujo sentido vem se alterando por conta das reincidências -, a primeira reação é de tristeza pelas vítimas. Em seguida, entra no circuito a série de protocolos postos em prática pelas autoridades em atendimento às pessoas e pela volta à normalidade. A sociedade civil, por seu turno, se organiza para arrecadar donativos com vistas a contribuir para a reconstrução das vidas afetadas.

Por mais que tais medidas sejam necessárias – e o são -, inúmeros exemplos nos mostram que, independentemente de sua efetividade, entes queridos não voltarão ao convívio com o seus, a infraestrutura, na melhor das hipóteses, tardará a ser completamente recuperada e os traumas habitarão como fantasmas a memória de quem foi involuntariamente envolvido. Da mesma forma, os prejuízos materiais, mesmo recuperáveis, adiam planos e retiram recursos das famílias.

O recente drama (e a recorrente estiagem dos últimos anos) que assolou o RS nos mostra que já passou da hora de, enquanto sociedade – da civil aos governos e demais poderes da estrutura pública, incluindo os legislativos em suas três esferas -, sermos coerentes com uma realidade que se mostrar drástica e dolorida.

Buscar mudanças de comportamento e entendimento, incluindo questionamentos de paradigmas hoje postos como de eficácia incontestável em termos de desenvolvimento econômico, não se trata de fazer milagres como algumas autoridades e lideranças políticas argumentam. E o fazem para justificar certo grau de inércia quanto ao que realmente precisa ser feito. Trabalhar firmemente no debate é dar os primeiros passos para uma caminhada – longa e dispendiosa – que evite aportarmos num ponto de não retorno.

Há pelo menos uma década que a discussão dos efeitos climáticos resultantes do aquecimento global sobre as nações tem sido inserida na pauta ambiental. Em igual período, presenciamos inúmeros casos, em escala global, envolvendo seca, temperaturas tórridas, enxurradas, deslizamentos, frio em demasia, vendavais e aumento do nível do mar. E isso tudo dentro de uma “ordem” que não mais respeita sequer as estações do ano. Estas, por sinal, da forma como estamos “caminhando”, com alguma exceção, estão próximas de não terem diferença substancial entre si.

Lembro que, na década de 1980, o alerta “inicial” em termos de mudança climática – ou pelo menos um dos primeiros que chamaram a atenção – recaiu sobre uma sigla de um produto tão presente quanto ignorado pela maioria da população: o gás CFC, usado em sprays aerossóis, geladeiras, aparelhos de ar-condicionado, entre outros. Na época, um grupo de cientistas e pesquisadores descobriu que tais gases corroíam, de dentro para fora, a camada de ozônio, responsável pela proteção da Terra contra os raios nocivos da luz irradiada pelo sol.

Desde então, entre conquistas e retrocessos, passamos a nos debruçar sobre a questão com novas descobertas. Ao mesmo tempo, apesar dos esforços e certa boa vontade de governos por meio de legislações mais restritivas, acumulamos uma espécie de passivo climático que hoje apresenta sua conta e faz parte do nosso novo normal.

Não bastasse isso, nos últimos anos, as organizações ambientalistas e a comunidade acadêmica vêm sendo obrigadas a atuar em mais uma frente e dispensar uma alta carga de energia para desmentir teorias conspiratórias. A principal delas diz que o problema climático faz parte de manifestações cíclicas e que tudo não passa de uma grande manipulação das forças de uma nova ordem mundial.

Esta, segundo esses negacionistas, quer impedir as nações mais pobres de buscar seu desenvolvimento econômico a partir da exploração de seus bens naturais. Da mesma forma que se comportaram na pandemia, desacreditando as vacinas e as medidas para conter a transmissão do covid-19, o fazem com o que está acontecendo com o clima, usando para isso falsas narrativas e estudos que chegam às raias da insensatez.

O que estamos enfrentando carece de posturas que nos façam virar a chave, se desejamos manter o planeta habitável. Precisamos, de alguma forma, entender que o desenvolvimento econômico não pode ficar restrito à busca do lucro a qualquer custo. Precisamos entender que, sem uma visão humanista dos processos por nós desenvolvidos, serão poucas as chances de que a nossa sobrevivência não fique atrelada a cenários inóspitos ou que a distopia se torne parte indissociável do futuro.

E contra a tentativa de estigmatizar como “ecochatos” ou “ecoloucos” os homens e mulheres ativistas em defesa do meio ambiente, desejo que cada vez mais surjam chatos como eles e elas, pois com esse grupo sei que teremos alguma chance de oferecermos esperança a nós próprios e às futuras gerações. E isso é pela vida. Vale a pena.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria

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Um Comentário

  1. Fonte: Sustainability by numbers. China utilizou em dois anos (2020 e 2021 e arredores) mais cimento do que os EUA utilizou em todo o seculo XX. Cada tonelada de cimento produzida resulta na emissão de 0,6 tonelada de gas carbonico na atmosfera. China é dirigida pelo Partido Comunista Chines, que não visa o lucro, mas visa o desenvolvimento. Governos vermelhos são incomPeTentes. Simples assim. É só cruzar os braços e esperar a conta para pagar. Simples assim. Não dão certo. Simples assim.

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