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O número 1 – por Bianca Zasso

Em japonês, “ichi” significa número um. Ser o primeiro da lista, o primeiro da classe, o preferido de todos é o desejo dos mortais. Afinal, quem não gosta de ser admirado? Porém, o que para alguns é apenas um sentimento bom, pode tornar-se uma obsessão. E o cinema sempre soube transformar obsessões em arte, o que resulta, na maioria das vezes, em cenas fortes que dividem a opinião dos espectadores. Quentin Tarantino costuma ser o nome mais lembrado, já que seus personagens, além das inúmeras referências pop, vivem às voltas com sangue, perversões e violência. 

Mas alguns anos antes de Tarantino mostrar ao mundo sua primeira aventura como diretor (em Cães de Aluguel), um japonês já mostrava que tinha talento para cabeças cortadas e tiros certeiros. Seu nome: Takashi Miike, diretor que iniciou sua carreira em 1991 e já possui mais de sessenta filmes em sua filmografia. Ele não só filma bem como filma muito.

Mais conhecido pelo público freqüentador de salas alternativas e cineclubes, Takashi Miike conquistou o ocidente depois que Tarantino encheu de elogios sua produção de 2001, Ichi – O Assassino. Não era para menos. Ichi – O assassino é Tarantino elevado a décima potência. Aliás, Tarantino assumiu abertamente se inspirar em Miike na hora de criar seus roteiros.  Sim, filmes violentos existem aos montes. Mas nenhum é como Ichi – O assassino.

A trama é inspirada no mangá homônimo criado por Hideo Yamamoto, conhecido por seus quadrinhos que tem como pano de fundo a máfia japonesa, a temível Yakuza, e personagens perversos e perturbados.  Ichi – O assassino não foge a essa regra.

 Ichi, o protagonista, é um jovem guiado por um policial aposentado para cometer crimes. Mesmo com um perfil aterrorizante, Ichi demonstra imaturidade, chora e treme antes de matar e é atormentado por traumas de infância. Ainda por cima vive perturbado por sentir prazer ao presenciar crimes sexuais.  Mesmo sendo um personagem tão complexo, o destaque do filme é seu antagonista, o sádico Kakihara. Integrante da Yakuza, ele sai em busca de Ichi para tentar vingar o desaparecimento de seu chefe.  O que na mão de um diretor comum de filmes de ação poderia se tornar um bom motivo para criar perseguições pelas ruas de Tóquio se torna um jogo violento, quase obsceno, nas mãos de Miike. Óleo quente nas costas, dedos quebrados e ter a pele do rosto arrancada com as mãos são apenas algumas das práticas de Kakihara que, numa das melhores sequências do filme, corta um pedaço da própria língua. O “procedimento” tem direito a close-ups que reviram o estômago até dos mais fortes.

Ao contrário de outros personagens violentos da ficção, Kakihara não aparenta ter motivos para vingança. Seus cortes no rosto (sua boca é rasgada nos dois cantos, numa alusão clara ao protagonista de O homem que ri, filme de 1928 dirigido por Paul Leni), seus piercings e seu aparato de tortura são para ele pura diversão, o que causa ainda mais impacto no espectador. A interpretação nada caricata que Tadanobu Asano traz para Kakihara faz do personagem um sério concorrente ao título de ídolo pop. Kakihara é mau, mas também é engraçado, bizarro, estiloso. Em certos momentos, repensamos nossa condição de bons cidadãos quando percebemos uma certa simpatia com ele. Sem pânico, pois na cena seguinte ele vai nos deixar com medo e sem nem um pingo de admiração.

Dúbios e encantadores, os personagens de Miike não choram as mágoas de um passado infeliz com assassinatos. Quem conhece os códigos da Yakuza sabe que matar é apenas um detalhe dentro do currículo do integrante. O motivo das mortes também, soam naturais como se fossem a única, e comum, alternativa. Esta que vos escreve assume que não é fácil gostar de Takashi Miike. Mas com um pouco de desprendimento da realidade e uma imersão no mundo dos mangás adultos é possível. Miike não coloca sangue jorrando à toa, ele conhece os segredos do público. E, como todos nós, só quer ver seu trabalho admirado.

Ichi – O assassino (Koroshiya ichi)

Ano: 2001

Direção: Takashi Miike

Disponível em DVD

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