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Inativos – por Orlando Fonseca

Semana passada conversava com colegas sobre os motivos de se aposentar, ou, como no meu caso, estar e continuar aposentado. Éramos três, dois já inativos quanto às obrigações do magistério superior, e um em plena expectativa de vencer os prazos e também de dar adeus às salas de aula. Este último acumula duas inquietações nestas suas vésperas: as mudanças engendradas pelo atual (des)governo e a perda de uma convicção de sua juventude como professor universitário, qual seja, só sair pela compulsória, que hoje está em 75 anos. Algo definitivamente impensável agora, por várias razões que passamos a considerar, justo na semana em que uma professora de Santa Catarina vem a público registrar o sangue e os hematomas de uma agressão sofrida pela falta de respeito de um aluno, em sala de aula.

Ingressei na carreira de professor por decisão pensada. Durante os quarenta anos em que exerci atividades docentes, desenvolvi e aprimorei o prazer de ensinar. Como se sabe, em seu pleno sentido, educação envolve uma ação que tem duas faces – ou seja lá o que os teóricos entendam – uma que compete ao professor, o ensino, e outra ao aluno, a aprendizagem. E justamente neste quesito é que entendi não ter mais o que contribuir para esta geração de jovens estudantes. Em mim, ao menos, começou a avultar a impressão de que eles não tinham o “prazer de aprender”, o que seria o complemento ideal do nosso convívio naquele ambiente acadêmico. A minha convicção provisória a respeito é de que todos os adolescentes que estão em sala de aula no momento já nasceram em uma sociedade totalmente conectada tecnologicamente. Nesta, a apreensão de conteúdos é pela plataforma digital. Por isso, creem totalmente na Inteligência Artificial. Ao revés disso, todos os professores que estão em atividade, hoje, formaram-se pela antiga plataforma impressa e migraram para as novas tecnologias de informação. Logo, o que temos para ensinar – a busca do conhecimento, o treinamento da mente para o raciocínio lógico – ou ao menos claro -, a retenção de conteúdos pela memória e o desenvolvimento de habilidades associativas, fazem pouco sentido para gente que usa redes sociais para se comunicar, consulta o Google e a Wikipedia para tirar dúvidas, faz downloads de material que poderia encontrar na biblioteca.

Por essa razão, a figura do professor e sua autoridade sobre a matéria ensinada perderam força no imaginário social desta juventude. E foi junto o respeito. No passado, lembro-me de uma discussão de educadores que recomendavam não se deixar popularizar a ideia de se chamar os professores de “tias” e “tios”. Na atualidade, a forma como se chamam os mestres indica a relatividade de sua posição e a perda de seu significado: hoje somos o “profe”. Isso não é apenas carinhoso, é o sintoma de que nos falta alguma coisa que poderia garantir a atenção dos alunos e, no limite, impedir que recebêssemos um soco no olho. Sei que as gerações encontram saídas para suas crises – assim é que a humanidade tem avançado. Não é fácil também para um adolescente decidir sobre uma futura profissão, que corre sérios riscos de desaparecer nos próximos anos. No entanto, como meu colega já aposentado, não tenho a menor saudade de voltar às salas da universidade. Recolhido à minha inatividade, sinto falta de alunos brilhantes que tive – muitos. Mas isso eu já vinha sentindo ainda quando ministrava aulas. Minha esperança é que os jovens entendam que a máquina – por mais poderosa que seja – não vai substituir a capacidade de nos fazer humanos, como só a inteligência e a sensibilidade de um dos nossos é capaz, quando é saudável o convívio e a aula se constitui em um encontro para se desenvolver o melhor de nós.

De fatos e diversões
– O bonde do Gilmar: o ministro do STF concedeu habeas corpus para todo o coletivo envolvido em corrupção no sistema de ônibus do Rio de Janeiro. Um dos passageiros – rápido, diga-se de passagem – pela cadeia, tem relações muito pessoais com o bondoso magistrado; outro ameaçou os demais envolvidos e suas famílias. E assim é que caminha – ou vai de busão – a justiça brasileira.

– Eletrobras: o presidente interino até pode considerar a venda como luz no fim do túnel, mas, depois de privatizada, a empresa vai agregar esse valor à conta de luz.

– Oi??? – a privatização da telefonia tem sido apontada como um bom exemplo de sucesso desse tipo de operação entreguista, no Brasil. No entanto, no mesmo dia em que Temer anunciou a possibilidade de vender parte das ações da Eletrobras, os jornais davam a notícia de que os credores da Oi fecharam um acordo para definir um novo plano de reestruturação para tirar a empresa da recuperação judicial. Tu…tu… tu…

– “Meu coração é vermelho/ De vermelho vive o coração”… Um amigo, militante político, me relatou que ele estava na esteira, fazendo um exame de esforço, quando o médico cardiologista, que acompanhava através do monitor lhe diz: “Você tem um prolapso”. Preocupado, meu amigo pergunta do que se trata, ao que o médico traduziu em termos simplificados que ele não entendeu muito. De tudo, meu amigo guardou algo como “o ventrículo esquerdo avança sobre o ventrículo direito”. Claro, ele pensou, até meu coração é revolucionário.

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