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O caipira de milhões de cruzeiros – por Bianca Zasso

2012 é o ano dos centenários. Além do escritor Jorge Amado e do sanfoneiro mestre Luiz Gonzaga, quem também estaria soprando cem velinhas se estivesse vivo seria Amácio Mazzaropi. As comemorações tiveram início no data do aniversário do ator, produtor e diretor, dia 9 de abril, em Taubaté, sua cidade natal, com uma intensa programação no Instituto Mazzaropi e outros pontos culturais do município.

Um dos grandes homens do cinema nacional ficaria orgulhoso de saber que sua arte ainda emociona e faz pensar. Quando estava na ativa, Mazzaropi não tinha seu trabalho reconhecido pela crítica e dizia que, um dia, o verdadeiro sentido de seus filmes seria reconhecido. Estava mais do que certo.  Porque, de bobo, o “Jeca” não tinha era nada.

Amácio Mazzaropi começou sua vida artística como muitos de seus contemporâneos. Foi embaixo da lona do circo que ele descobriu a paixão pela interpretação. O próximo passo foi conquistar os ouvintes do meio de comunicação mais famoso da época, o rádio. No comando do programa Racho Alegre, na Rádio Tupi, Mazzaropi conquistou fãs , ganhou espaço na TV e não deu outra: foi parar nas telas do cinema.

Porém, se engana quem pensa que ele apenas usou os filmes para mostrar a simplicidade do povo do interior. Mazzaropi foi precursor das produções independentes, categoria hoje responsável pelos melhores lançamentos do cinema brasileiro. A PAM Filmes (Produções Amácio Mazzaropi) fazia cinema de qualidade e foi o veículo que Mazzaropi encontrou para comunicar suas idéias ao seu país.

Ao contrário do que uma primeira impressão de seus filmes pode denotar, o personagem Jeca, o homem simples, ingênuo mas dotado de malícia, é um detalhe cômico dentro das tramas criadas por Mazzaropi. Seus filmes, que nunca tiveram público inferior a 4 milhões de espectadores, tratavam de temas como escravidão, política, imigração, religião e preconceito.  O objetivo principal era conquistar o riso, mas a mensagem estava lá, muito bem colocada na tela. Mazzaropi era um homem culto, ávido consumidor de cultura e muito observador.

Bancou seus próprios filmes em nome da liberdade de criação e sabia que a fila seria gigantesca a cada estreia, sempre realizada na data em que se comemora o aniversário da cidade de São Paulo, 25 de janeiro. As poucas vezes em que deixou sua casa, no Vale do Paraíba, foi para o lançamento de seus filmes. Não precisou patrocinar outros filmes para se manter e muito menos mudar seu estilo para continuar no topo. Do chofer de praça ao puritano da Rua Augusta, todos eram Mazzaropi.

Mesmo se mantendo fiel ao personagem que ajudou a imortalizá-lo, o Jeca, Mazzaropi tinha visão de mercado. Quando os filmes sobre o cangaço brasileiro estavam em alta, na década de 60, chega às telas brasileiras O Lamparina, uma sátira a figura de Lampião. Entrou na onda do faroeste com Uma pistola para Djeca, que tem no título uma clara alusão ao clássico de DuccioTessari, Uma pistola para Ringo. Mas sua trama é inspirada em outra grande produção do western spaghetti, Django, dirigido por Sergio Corbucci.

Numa de suas melhores produções, Meu Japão Brasileiro, Mazzaropi presta uma merecida homenagem aos imigrantes japoneses, responsáveis pelas plantações de café do interior de São Paulo. O clima é de aventura, romance e comédia, mas a crítica social está lá, nas piadas de duplo sentido e no jeito desconfiado do caipira diante das tradições nipônicas.

A qualidade técnica dos estúdios da PAM Filmes era o que havia de melhor na época. Equipamentos estrangeiros eram uma constante e foi a primeira produtora a usar som direto, num tempo em que a dublagem já fazia parte do folclore do cinema nacional. Porém,a partir da década de 70, os filmes tornavam-se menos preocupados com enquadramentos e direção de arte.

Mazzaropi estava doente e mesmo assim não perdia o foco, continuava a trajetória de seu Jeca sem se deixar levar por modismos. Continuava fazendo rir de um modo único, simples e colocando o dedo na ferida. O caipira podia até andar de forma engraçada, mas sabia de seus direitos e desconfiava da amizade repentina dos patrões em tempo de eleição.

A partir de 2003, o selo Cinemagia, da distribuidora Amazonas Filmes, lançou 10 boxes com filmes importantes da carreira de Mazzaropi, abordando quase toda a sua filmografia. Muito material se perdeu em função da complicada divisão da herança do ator,  mas o que pode ser conservado foi disponibilizado ao público pelo selo Cinemagia, da distribuidora Amazonas Filmes.

O coordenador do projeto, o paulista Paulo Duarte, também lançou a biografia Mazzaropi – Uma antologia de risos. O livro, de 2009, faz parte da coleção Aplauso, lançada pela editora Imprensa Oficial e traz informações importantes sobre a vida e a obra do grande homem do cinema nacional.

Não bastasse toda a dedicação a esses dois lançamentos, Paulo deu início, em abril deste ano, a uma ideia genial: o NhôTube é um portal de consulta criado em parceria com os detentores dos direitos autorais de Mazzaropi. O site tem o intuito de organizar os interesses comerciais em torno da obra do artista. Uma sacada empreendedora bem ao gosto de Mazzaropi que, nas palavras do próprio Paulo, foi o maior homem de cinema que o Brasil já teve.

Mazzaropi é um retrato do nosso povo, em especial, do povo que ia ao cinema nas décadas de 50 e 60, onde quase todas as cidades do interior tinham o seu cinema. Um tempo onde ir ao cinema era um evento e não apenas uma das muitas opções oferecidas em um shopping center.  O público ria, esquecia por algumas horas os problemas da vida e voltava para casa. O cinema cumpria sua função primordial, que é o entretenimento.  O povo tinha em Mazzaropi um ídolo, alguém próximo da sua realidade e, ao mesmo tempo mágico, por estar na telona.

Para quem pode curtir o Jeca em seus tempos de glória e mesmo para as novas gerações, que descobriram sua obra após o lançamento em DVD, 2012 é ano de comemorar. A canção A dor da saudade, cantada por ele no filme Casinha Pequenina, cai como uma luva para o momento:

“A dor da saudade

Quem é que não tem

Olhando o passado

Quem é que não sente

A falta de alguém”

Acesse:

www.nhotube.com

www.centenariomazzaropi.org.br

 

 

 

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