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OUTRO OLHAR. Artigo de professor da UFSM fala em biologia. Mas o editor desconfia que não é beem isso

Este editor confessa, seguidamente, que é meio burrinho. Ainda assim, desconfia (e não passa disso, porque os neurônios nem sempre ajudam) que o texto abaixo, recebido a partir da interveniência do amigo Fritz R. Nunes, diligente e competente profissional do jornalismo que hoje presta serviços à Seção Sindical dos Docentes da UFSM, é uma resposta. Sim, e a outro texto aqui publicado, creio que na manhã de ontem.

A palavra biologia é que motivou a desconfiança. Bueno. O fato é que, resposta ou não, está muito bem escrito. E tem como pano de fundo – caro meu bestunto (quem foi aluno de Luiz Felipe Lenz, nos idos 70’s, pelo menos esses, aprenderam com ele o significado da expressão) – alguma coisa parecida com greve. Será? Bueno, confira você mesmo, a seguir:

Homens e mulheres ostras

Por Luiz Carlos Nascimento da Rosa (*)

“ O Professor de retórica, como um pescador, sabe muito bem que,

se não colocar no anzol a isca preferida pelo peixe, ficará eternamente

no rochedo, sem esperança de fisgá-lo.”

Petrônio – Satiricon (63 d. C.)

Segundo os meus alfarrábios da Biologia, o nome ostras é usado para designar grupos diferentes de moluscos. Meus livrinhos de Biologia dizem que as ostras verdadeiras pertencem a ordem ostreoida, família ostreidae. As ostras possuem corpo mole, protegido dentro de uma concha altamente calcificada, fechada por fortes músculos adutores. Quando entra um invasor, em seu corpo, a ostra libera uma substância chamada madrepérola, que se cristaliza sobre o invasor impedindo a reprodução e, depois de três anos essa material vira uma pérola.

Já, ostracismo, originalmente, foi criado por Clistones em Atenas e designava a expulsão política ou exílio por um tempo de dez anos. Que interessante! 1º – a ostra com sua morte produz um rico alimento para nós humanos e um parasita em sua vida é capaz de fazer o ser humano acumular riqueza; 2º – ostracismo definia expulsão, castigo, punição política impetrada por alguém.

Na vida contemporânea ostracismo são autoexílio político de pessoas que são apaixonadas por isolamento e as benesses de uma vida construída pela sedução do capital e da riqueza. Na vida atual homens e mulheres ostras se enclausuram em suas confortáveis casas, seus lindos gabinetes e sobre seus lindos tapetes persas falam da vida um para o outro nas magníficas redes sociais.

As ostras detestam cheiro de gente, não conseguem ver que a vida é um eterno movimento, não conseguem perceber que existe pobre, e são, absurdamente, contrários a qualquer tipo de movimento social que questione a estrutura da sociedade atual. Estes homens e essas mulheres quando largam seus computadores e seus lindos diálogos vão, desvairadamente, passear e consumir no Shopping Center e colocar suas oferendas no templo vivo do capital. Para proteger o conforto individualista de suas vidas, a ostra contemporânea conhece o artifício da retórica, possui discurso empolado, diz que ama o conhecimento e, é réu confesso, pois afirma que já participou de movimentos sociais, mas infelizmente, dizem eles, – isso é coisa juvenil e um instrumento político fossilizado. Para estes indivíduos, a realidade não existe, pois é mero simulacro. O ser humano não é mais um ser que se constitui através de sua prática social real com os demais seres humanos. O ser humano é um ser que se dá através de sua narrativa.

A ostra sociológica não é capaz de reconhecer que foi uma ação coletiva que derrubou a ditadura militar em nosso país e, se os trabalhadores possuem salários dignos, inclusive o dele, foram movimentos de greve e a ação social de bravos militantes que possibilitaram esta conquista. Homens e mulheres ostras vão continuar comendo seu caviar e bebendo seu cabernet, pois existem pessoas que possuem o entendimento que a vida coletiva faz a diferença. Amarrados às emanações sedutoras do capital, a ostra sociológica vai continuar com sua verborreia de amor ao conhecimento e cantando aos quatro ventos que já foi disso. A ostra sabe que está que nem as figuras da alegoria da caverna de Platão: amarrado a um mundo que não é o seu. A ostra faz uma leitura que lhe convém. Parafraseando Clarice Lispector, eu diria que podemos ter consciência de nossos medos bobos, mas tenhamos vontade política de termos uma coragem absurda.

De onde eu escrevo tenho uma visão paradisíaca do mundo. Minha linda janela aponta-me a elementos pictóricos que dialetizam o bucólico e o urbano. A delicadeza das cores amarelas e roxas dos ipês, espalhados em minhas calçadas, contrastam com os inorgânicos paralelepípedos. Os ruídos dos carros na boa e velha faixa de Camobi inibem a sonoridade harmônica e lírica dos passarinhos que circulam em minha linda e estética janela. Meu olhar lírico e romântico para com o mundo não obscurece meu pensamento para a tristeza e solidão das pessoas que são excluídas econômicas, políticas e culturalmente da vida social.

A ostra sociológica devia sair de seu narcisismo e ver que existe vida para além do simulacro e de uma vida de mentira vivida nas redes sociais. Parafraseando meu guru literário, Albert Camus, poderia finalizar dizendo que não ser amado é uma mera contingência; não amar é a grande desgraça.                                         

(*) Professor do departamento de Metodologia do Ensino da UFSM

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4 Comentários

  1. Excelente texto do professor Luiz Carlos Nascimento da Rosa. Como relata acima a Senhora Luciana Montemezzo, “só a poesia nos salva”, é uma grande verdade nos dias atuais. O que me deixou perplexa foi os erros de português no comentário da Drª em Pedagogia, professora Suze Scalcon.

  2. Parabéns ao Claudemir pela sensibilidade da publicação e ao caríssimo Luiz Carlos a um dos mais belos textos que já li sobre o mundo real dos movimentos sociais, em diálogo crítico com aqueles que acham que somente existe o mundo virtual das redes sociais. Pois, como disse Eric Hobsbawm, “os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e este é uma questão muito mais relevante” (Eric Hobsbawm, em Pessoas Extraordinárias).
    Convido os colegas docentes que são contra as greves para defenderem este seu direito nas assembleias da SEDUFSM, pois quando esta definir o retorno da greve, estarei em sala de aula assim que a decisão for tomada.
    Por fim, me parafraseio a partir de artigo escrito algum tempo atrás:
    “Desde a década de 1990 estamos cada vez mais assistindo propagandas que, além de vender os produtos, têm apresentado perspectivas políticas e culturais da conjuntura que vivemos. Talvez nenhuma tenha sido tão significativa para os pressupostos ideológicos da chamada “pós-modernidade” que uma das versões de um comercial de uma marca de cigarro, veiculado ainda nos anos 1990, na qual, através de belas imagens, fazia-se com que o espectador confundisse o que era real e o que era produzido por computação gráfica. Nele, uma moça “surfava” em cima de um peixe multicolorido, em um visual esplendoroso, afirmando: “a realidade não existe, tudo é sonho, cada um na sua, mas pelo menos a gente tem algo em comum”.

    Não seria necessário dizer que tais “construções” representam a síntese do pensamento relativista retomado nos últimos anos: primeiro, na negação do real (aqui, um dos principais paradigmas “pós-modernos” se encaixa com ênfase, através do apelo ao irracional); segundo, o individualismo como uma das bases ideológicas da ofensiva neoliberal; e, por fim, o consumismo, resultado de um programado e avançado marketing das agências de propaganda. Free é a marca deste produto que, em um mundo de relativização das verdades, de egocentrismos e narcisismos, traduz a noção de liberdade do neoliberalismo e seu suporte ideológico e intelectual, a “pós-modernidade”, ou seja, a lógica cultural do neoliberalismo. (…)
    Contra o predomínio do “cada um na sua”, segundo a máxima de que “a realidade não existe”, pois “tudo é sonho”, a liberdade na proposição “pós-moderna” se resumiria a fumar um cigarro. Por isso, para os neoliberais, ser cidadão é apenas ser consumidor. Convenhamos, é muito pouco para este início de século (…).
    Pois, como já constatou a grande filósofa Marilena Chauí, para entender as teses da “pós-modernidade” é preciso partir justamente da constatação da acumulação flexível do capital, para chegar-se à sua ideologia. Segundo a autora, devemos ter em conta um universo no qual esta mobilidade extrema do capital, do consumo, do sistema financeiro, nos leva a imaginar que não há centro, tudo é fragmentado, tudo é desconstruível, tudo é instantâneo, tudo é efêmero, tudo é volátil, que só existe a intertextualidade, a heterotopia. Ou seja, o “pós-modernismo” não é senão a tradução, em termos conceituais, com pretensões epistemológica, ontológica e artística, desta acumulação flexível do capital[CHAUÍ, Marilena. In. CASTORIADIS, Cornelius et al. A criação histórica. Porto Alegre: Artes e Ofícios/SMC, 1992, p. 27 a 35].

  3. Importa explicitar que o texto do Prof. Luiz Carlos se dirige ao natimorto comentário do Prof. Ronai. Comentário, o qual não impulsiona a história pra frente. Aliás, a trava. E travar a história significa conformar-se com o irreal. E conformar-se com o irreal significa acomodar-se com o particular. E acomodar-se com o particular significa declinar de ideais solidários. É uma escolha. Mas ainda, não há quem possa impedir que, como trabalhadora da educação eu lute por melhores condições vida e de salário, sim. E que os descontentges com as lutas, com agreve, devolvam o que, de a mais lhes será pago.
    Suze Scalcon

  4. Luiz Carlos Nascimento Rosa, o químico mais letrado que eu conheço! Parabéns, o texto é lindo, bem escrito, poético e inteligentíssimo. Só a poesia nos salva!

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