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Doce de gente grande – por Bianca Zasso

Certa vez, o diretor inglês Alfred Hitchcock disse que a vingança é doce e não engorda. Se levarmos em consideração que muitas das mortes mostradas em seus filmes foram motivadas por esse sentimento tão perturbador, a frase não foi apenas uma piada. A vingança está presente no ser humano mesmo que ele não seja um assassino ou tenha tendências sádicas.

Quem nunca desejou ou efetuou uma vingança, por menor que seja, que atire a primeira pedra em direção ao inimigo. Por dar margem a situações tanto cômicas quanto trágicas, a vingança está presente no cinema desde os seus primórdios, não importa o gênero da produção. Mas nunca ela foi tratada com tanta poesia e seriedade como nos filmes do diretor sul-coreano Chan-Wook Park.

Iniciada em 2002, a chamada Trilogia da Vingança chegou com discrição em pequenos festivais na Ásia e nos Estados Unidos.  O primeiro filme, Mr. Vingança, tem como protagonista Ryu, um rapaz surdo-mudo que se envolve com traficantes de órgãos para ajudar a irmã que precisa de um transplante de rim. Mesmo cumprindo todas as tarefas que lhe são dadas, Ryu acaba sendo enganado pelos traficantes e não recebe a quantia que lhe foi prometida. Ao lado de sua melhor amiga, a revolucionária Cha Yeong-Mi, ele traça um plano para sequestrar a filha de um rico empresário e, com o valor do resgate, pagar a cirurgia da irmã.

O que parecia ser a melhor saída acaba desencadeando uma série de vinganças que incluem tortura e assassinato. Tanto Mr. Vingança quando o filme seguinte da trilogia, Old Boy, consegue obter um bom equilíbrio entre as cenas de ação com muito sangue e cortes rápidos com momentos de puro lirismo e contemplação, como na cena em que o empresário afoga Ryu em um lago, após descobrir que ele é o sequestrador de sua filha. Aliás, a vingança paternal é a mais presente neste trilogia, o que aumenta a carga dramática. Afinal, se vingar do vizinho barulhento é uma coisa, se vingar do assassino de um filho é outra bem diferente.

No filme que encerra a trilogia, Lady Vingança, isso aparece com clareza. A protagonista, Lee Geum-ja, passa 13 anos presa acusada do assassinato de um menino. Porém, o verdadeiro autor do crime é um professor de uma escola primária. Dentro da cadeia, ela conquista as colegas de cela para garantir que elas sejam suas ajudantes num inteligente plano de vingança. Após sair da prisão, Lee Geum-ja sai em busca de pais que perderam seus filhos pelas mãos do homem que a colocou atrás das grades. Pessoas comuns, bondosas e trabalhadoras que se transformam em cruéis torturadores diante do assassino de suas crianças. Toda essa sequência acontece num clima tranquilo e silencioso, culminando com uma comemoração.

Lady Vingança, apesar de manter o estilo das outras duas produções de Park, ganha um toque feminino e celestial, não só pela protagonista mulher, mas pelo motivo que a move: além de matar uma criança, ela se afastou da própria filha e a culpa pelo abandono a persegue em todas as cenas. A assassina fria desaparece quando a menina volta a conviver com Lee Geum-ja, cheia de perguntas sobre seu passado. A “mocinha” do filme é também a vilã, e o público vivencia um sentimento dúbio, amando o lado mãe arrependida da personagem e odiando sua falta de coragem para contar a verdade sobre seu crime para a polícia.

A Trilogia da Vingança de Park é composta por filmes multiusos. Para quem gosta de ação, ele oferecem algumas das melhores sequências de morte e tortura já feitas na história do cinema, como a extração de um dente sem anestesia ou higiene mostrada em Old Boy. Já quem gosta do uso das cores típico do cinema oriental, tem um prato cheio com os vários tons de vermelho e seus múltiplos significados. E os espectadores amantes de uma boa vingança terão diante de si um doce muito saboroso, diria Hitchcock.

Apesar de ter sido concebida como uma trilogia, Mr. Vingança, Old Boy e Lady Vingança podem ser assistidos fora de ordem ou mesmo avulsos, já que nenhum personagem se repete nas três produções. São histórias independentes que giram em torno de um mesmo tema e construídas utilizando uma mesma linguagem. Antes de tudo, são ótimos filmes e merecem ser vistos, seja você um vingador ou um mero apreciador da vingança na tela.

Mr. Vingança (Sympathy for Mr. Vengeance), Old Boy (Idem) e Lady Vingança (Sympathy for Lady Vengeace)

Ano: 2002, 2004, 2006

Direção: Chan-Wook Park

Disponível em DVD e Blu-Ray

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