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Minha ruazinha – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Não ser amado é uma mera contingência da vida;

não amar é a grande desgraça.

Albert Camus

Minha ruazinha tem se instituído como uma constante incógnita em minha vida. Diferente das demais, ela é, absolutamente, diminuta. Minha pequenina rua, por incrível que pareça, possui forma e conteúdo. A ruazinha onde moro não possui saída, mas é um magnânimo recanto para fazer uma viagem no maravilhoso mundo da imaginação. Sua condição de não ter saída é, em essência, a porta de entrada para reflexões líricas.

Minha rua possui início e fim em si mesmo. O fim de minha rua é um encontro com o elemento esteticamente bucólico. Ela vivifica o moderno e o agreste. O mato verde define a fronteira de minha lindinha rua. Pássaros transitam aos borbotões no encantado lugar onde moro.

A poesia que construímos e vivemos, eu e meu filho, em nossa modesta casa, possui ressonância no harmônico canto de nossos vizinhos passarinhos. Seguido me tenho em devaneios contemplando um beija-flor sugando o néctar das flores que adornam o entorno de nossa morada. Coloquei uma linda casinha em minha sacada e os danados dos passarinhos dela fizeram seu lar e construíram um confortável e majestoso ninho.

Os passarinhos que moram na casinha, em minha sacada, não são meus e sim são meus animados vizinhos. Felizmente não cultuo nada do ato de ter, mas entendo que esses seres harmônicos e esteticamente belos me tornam ontologicamente mais e melhor.

A minha ruazinha é, absolutamente, discreta. Há um silêncio amoroso que paira e banha delicadamente minha ruazinha. Eu e os meus vizinhos passarinhos entendemos e nos recupletamos com essa nave de um charmoso silêncio.

Passando pela rua principal, de meu Parque Residencial, que vai dar acesso a minha ruazinha, um dia, vi um enorme e lindo lagarto. Despreocupado com o tempo, com os outros e com a vida, caminhava lentamente e desenvolvia um gingado, totalmente, cadenciado. Ele era só elegância e sobriedade e malemolência. A partir desse contexto eu cheguei a uma fatídica conclusão: é muito lindo o lugar que esta encravada minha singela morada. Nem um ruído de civilização atormenta nossos ouvidos neste belo lócus existencial.

Com sol resplandecente ou com chuva torrencial é terapêutico andar pelo meu residencial. Minha morada fica num residencial chamado “Jardim Lindóia”. É totalmente paradisíaco esse lugar onde moro. Para se ter uma idéia do quão belo é esse nosso lugar que nos damos ao luxo de possuir duas lindas pracinhas. Como tenho todos os meus sentidos aguçados, todo o dia que circulo pelo residencial onde eu moro me tenho refletindo e me sinto imaginativo. Minha ruazinha e meu parque residencial me causam belos devaneios e verdadeiros momentos catárticos.

Minha ruazinha é totalmente paradoxal assim como eu. Vive o moderno, mas circunscreve uma história e, pelo bucólico que contempla representa uma vida cravada num saudoso passado. Do horizonte de minha sacada a minha ruazinha sou eu. Nas nossas diferenças nós nos reconhecemos e nos identificamos.

Minha ruazinha transita entre o verde, o mato, os bichos, os lindos passarinhos, a vizinhança com seus carros, a cidade, a modernidade e margeia meu residencial uma enorme faixa de asfalto.

Só existe um elemento que destoa deste mundo de beleza lá na minha ruazinha: algumas casas de meus humanos vizinhos possuem altíssimos muros e estúpidas grades com cerca elétrica e arame farpado. Estes vizinhos não estão nem ai para a revoada de pássaros, seu cantar e muito menos para o lindo gingar do lagarto. O medo dos larápios é a grande preocupação desses nossos vizinhos. Querem eles queiram ou não os passarinhos vão todos os dias saborear as frutas de seus enclausurados quintais.

Ainda bem que esses muros e essas grades não são capazes de roubar e aprisionar minha alma e nem silenciar o canto dos passarinhos, inclusive dos passarinhos que são meus vizinhos.

Minha ruazinha, eu e os passarinhos vivemos em estado permanente de excitação e alerta. Assim como as flores dos ipês, que existem em minha ruazinha, são fluídicas, lindas e efêmeras, assim somos nós. Contemplamos o singelo, o efêmero, o simples, mas somos fervorosos amantes do belo. Minha ruazinha é capaz de harmonizar e dialetizar meu homo sapiens com meu homo demens e, assim vamos vivendo bem e felizes.

Como é paradoxal, minha ruazinha é fim e começo. É fim de rua, mas uma magnífica placenta que dá início as diferentes formas de vida que ali transitam e uma grande porta de entrada para alguns devaneios da razão e solidária propulsora para o mundo da imaginação. Vida longa para essa nossa delicada relação estética.

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