Diva das estradas – por Bianca Zasso
Assuma, caro leitor! Você, tenha quinze ou cinquenta anos, já chacoalhou o esqueleto ao som de “I will survive”, sucesso do tempo das discotecas imortalizado pela cantora Gloria Gaynor. Pois, caso você não saiba, este hit voltou a ser obrigatório em qualquer festa que se preze depois de integrar a trilha sonora de um filme que completa vinte anos de lançamento agora em 2014.
Priscilla, a rainha do deserto, produção dirigida pelo australiano Stephan Elliot apresenta a viagem de três drag queens que saem da cidade de Sydney em direção a Alice Springs para fazer um show. Bernardette (uma interpretação magistral de Terence Stamp), Mitzi e Felicia preparam seus figurinos, conversam e bebem muito a bordo de um ônibus prateado, a Priscilla do título.
Ao longo da trama, o veículo passa por modificações devido ao preconceito e as ideias loucas de seus passageiros. Mas nenhuma mudança é tão forte quanto a vivida pelos três amigos protagonistas. Não espere do filme um discurso piegas sobre a causa gay, a metamorfose sofrida pelos personagens não tem nada a ver com opção sexual. É humana, íntima, comum a qualquer um que escolha um tempo para pensar na própria condição e nas escolhas que o caminho nos propõe.
A fotografia é a grande arma de Elliot para mostrar tudo que faz Priscilla e quem está a bordo dela ganhar um nodo olhar sobre o mundo e sobre si mesmo. As belas paisagens do deserto ganham uma atmosfera bucólica, psicodélica em alguns momentos, para mostrar que toda aquela areia e calor fazem muito mais do que provocar desmaios e coceira.
Conhecido por ser um país machista, a Austrália é o pano de fundo às tão enganosas aparências que surpreendem inclusive o trio central, acostumado aos olhares enviesados por onde passa. Enquanto os moradores da cidade picham a prateada Priscilla com frases homofóbicas, um tribo aborígene se diverte com uma apresentação improvisada de Bernadette, Mitzi e Felicia. Os acordes do grupo Abba ecoam pela paisagem vazia, uma purpurina no meio do nada.
Vencedor do Oscar de melhor figurino, Priscilla, a rainha do deserto vai além do visual excêntrico. Seus diálogos irreverentes e sem medo do politicamente correto envelheceram bem e continuam provocando gargalhadas em quem assiste. Vinte anos depois de pregar a liberdade e fazer muito espectador se mexer na poltrona, o filme merece continuar sendo visto, ainda mais em tempos como os nossos, onde ainda existe quem ache pecado ser quem a gente é, seja da cor que for. Padrões são chatos. Priscilla, esvoaçante pela estrada afora, é a prova disso.
Priscilla, a rainha do deserto (The adventures of Priscilla, Queen of the desert)
Ano: 1994
Direção: Stephan Elliot
Disponível em DVD e Blu-Ray
OBS: Esta coluna lamenta as mortes dos atores Robin Williams e Lauren Baccal, ocorridas esta semana. 2014 tem sido um ano difícil para os admiradores do cinema. O que nos consola é que, de certa forma, estes ídolos são eternos graças à Sétima Arte.
Vinte anos não é velhice, é puro frescor. E "opção" sexual não existe.