Artigos

Qual o papel das plataformas on-line de comunicação em uma democracia liberal? – Por Michael Di Giacomo

O século XXI consolidou o surgimento dos novos ambientes comunicativos, os quais são totalmente diversos das denominadas mídias convencionais. As novas formas de comunicação, no nosso dia a dia, estão presentes no Youtube, Facebook, Twitter, entre outros, como aplicativos de comunicação instantânea, Whatsapp e Telegram.

Nos referidos ambientes, sob a ampliação da dimensão de fala das pessoas, a discussão sobre a tutela à liberdade de expressão do indivíduo é pauta constante no meio jurídico e social. E é um debate fundamental para o fortalecimento da esfera pública e da nossa democracia.

Isso, pois essa mesma dimensão oportunizou o surgimento de bolhas ideológicas inacessíveis aos que divergem dos pensamentos defendidos por muitos messiânicos, os quais criam um mundo paralelo, onde somente suas verdades tem vez.

Não menos comum é o uso das referidas ferramentas digitais contra as próprias instituições democráticas das nações. Os extremistas alegam, como salvo-conduto, o direito ao exercício pleno da liberdade de expressão, princípio basilar em qualquer regime que se preze democrático.

Um caso muito emblemático do referido contexto aconteceu há poucos dias com o jornalista Allan dos Santos, bolsonarista, atualmente autoexilado nos Estados Unidos, e que mantinha um canal no Youtube, chamado “Terça Livre”.

O blogueiro usava seu espaço on-line para vociferar contra às instituições da república, ao ponto de ser investigado pela Polícia Federal e ter dois inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal.

A disseminação de informações falsas e a ameaça aos ministros do Tribunal, são apenas algumas das ações beligerantes do blogueiro de extrema-direita. Radicado nos EUA, adorador de Donald Trump, também postou vídeos onde afirmava ter recebido provas (as quais nunca apresentou) sobre fraudes ocorridas na eleição presidencial norte-americana.

O resultado é que o canal “Terça Livre” foi banido para sempre da plataforma Youtube. O bolsonarista sentiu na pele o que aconteceu com seu ídolo norte-americano, Donald Trump, que teve suas contas extintas no Twitter, Facebook e Youtube.

O argumento apresentado pela plataforma foi de que os conteúdos postados por Allan, assim como os de Trump, não seguiam as diretrizes e a política de combate a fake news e à disseminação do discurso de ódio.
Logo surgiram vozes a bradar contra a censura imposta pela plataforma.

O fato é que não é censura.

Para que seja tipificada como censura, faz-se necessário que a restrição esteja vinculada a uma ação do aparato estatal no sentido de calar a fala, a escrita, a arte, enfim, os meios de comunicação existentes em nosso meio.

Não é o caso.

É sim, autorregulação. E esse é o ponto em debate.
Em que medida uma empresa privada pode ter esse poder de calar a manifestação de seus usuários? Se nos entendermos o espaço digital como sendo uma das extensões da esfera pública, não será mais prudente que haja uma legislação adequada a regular os atos dos usuários e então aplicada pelas plataformas?

Um dos grandes desafios do nosso século, não tenho dúvida, consiste em compreender se a livre circulação de ideais, conforme a formulação de Stuart Mill, no sentido de que o Estado não deve intervir na vida das pessoas e garantir a livre manifestação do pensamento, realmente está sendo exercida pelas pessoas sem que isso ocasione lesão ao outro, ou a sociedade na qual é parte.

Até o momento, parece, há um retrocesso no agir humano em relação a máxima defendida por Mill. A prática nefasta de disseminar informações falsas tem se mostrado eficaz.

É comum em nosso meio o encontro de negacionistas da ciência e de tragédias que marcaram a história da humanidade, como por exemplo, o Holocausto. Toda essa bolha de ignorâncias resulta em situações a evidenciar (de forma concertada ou não) a máxima do nazista Joseph Goebbels de que: “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”.

Os extremistas, ao repetir Goebbles, buscam exercer um determinado controle sobre o indivíduo. E suas mentiras servem de causa a atitudes (individuais ou coletivas) que vão de encontro ao que se entende ser uma nação civilizada. O resultado é uma sociedade distópica, menos humana, individualista e belicosa.

Um exemplo bem vívido foi a manifestação de muitos santa-marienses, (via redes sociais), a vociferar contra o acolhimento dos pacientes vindos de Manaus em nossa cidade. Uma estupidez, somado a um alto grau de monstruosidade.

Neste turbilhão de ações e reações comunicativas, as plataformas on-line de comunicação exercem um papel, certamente um dos principais, de influência na consolidação da nossa democracia.

E o debate sobre a regulação ou não desses espaços é um dos grandes desafios a permear nosso tempo. Ou seja, qual o papel das referidas plataformas em uma democracia liberal?

*Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Crédito da foto: YouTube / Reprodução

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

4 Comentários

  1. Humanidade não tem que se conformar as expectativa e anseios de ninguém. Pessoas não são peças de jogo de damas ou xadrez. Mais importante, não são blocos de madeira como os mais toscos imaginam. O ceticismo não pode e não deve ser eliminado para facilitar os devaneios autoritários de ideologias espúrias.
    Muita gente censurada nas redes sociais está migrando para outras plataformas. Sempre se acha um jeito (não são blocos de madeira!).
    A regulação que sonham obviamente é Estatal, ou seja, feita por analfabetos funcionais ocupando cargos públicos que desconhecem completamente o que estão ‘regulando’ e, para variar, sem meios para fiscalizar.

  2. Fundos reclamaram da necessidade de ‘regulação’ (porque perderam, quando ganham não precisa). SEC americana anunciou investigação. A pagina do Reddit foi tirada do ar por ‘discurso de ódio’ (???). O aplicativo bloqueou a compra das ações da loja só permitindo a venda. Os investidores encheram o software da financeira de avaliações ruins. O Google foi e retirou mais de 150 mil avaliações negativas, fazendo com que a nota voltasse ao estado anterior.

  3. Extremistas estão na deep web. Ser meio maluco não significa burrice.
    Começo do ano as ações de uma loja de vídeo games estavam supervalorizadas nos EUA. Algo como 50 dólares. Fundos de investimento, numa manobra legal, pediram emprestado ações prometendo devolve-las depois de um mês e pagar 10 dólares a titulo de ‘aluguel’. Venderam as ações, embolsando os 50. Objetivo era, segundo os cálculos, que a ação chegasse a 20. Comprariam no mercado, devolveriam as ações com o aluguel e teriam 20 de lucro. Um grupo de debates no Reditt (ligado de certa forma ao Occupy Wall Street) ficou sabendo. Utilizaram o aplicativo da corretora RobinHood para comprar ações da loja e fazer o preço chegar a 400 dólares (os números tem que ser multiplicados por milhões). Muitos fundos tiveram um prejuízo monstro, falam que o total foi de 70 bilhões de dólares dividido entre todos.

  4. Bolhas sempre existiram. Maioria não dá por conta disto. Circulo de amizades/familiar, turma e (para os de fora) panelinha. Como o cancelamento. Boicote ‘Recusa coletiva sistemática de estabelecimento de relações sociais, trabalhistas ou comerciais com (pessoa, país, firma, nação etc.), como represália a alguma ação, medida ou fato que desagrada ou constrange.’ Diferença é a Escola de Frankfurt, a teoria racial crítica (como a pedagogia crítica de Paulo Freire), ou seja, a ideologia.
    Molusco também tem um culto ao redor dele.
    Também não são extremistas, Por isto que é necessário analisar bem quando um grupo ou pessoa é taxado de ‘supremacista branco’, ‘facista’, ‘racista’ ou outros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo