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Demagogia cara. Ruralista que nunca paga dívida, com proposta da Câmara, agora é que não paga

E aconteceu o previsto. Ou melhor, pioooor que o previsto. No plenário da Câmara dos Deputados, a MP que trata da dívida (eterna e nunca paga) dos grandes ruralistas brasileiros ganho contornos ainda mais terríveis para o cidadão comum – aquele que faz conta, e a paga.

 

Tratei do assunto na penúltima madrugada, na nota “Pobre cidadão comum. Bom negócio no Brasil é ser ruralista endividado. Mas beeem endividado” (releia aqui). Pois veja, agora, o que aconteceu Câmara e que ainda pode ser salvo (mas duvido que seja) na rodada de votações que segue no Senado, a outra casa do parlamento nacional. O texto é de Josias de Souza, da Folha de São Paulo. A seguir:

 

“Socorro agrícola premia os devedores com R$ 10 bi

 

Câmara aumenta desconto, estica prazo e derruba juros

Custo para o Tesouro Nacional deve passar de R$ 1,5 bi

Traído por aliados, Planalto tenta virar o jogo no Senado

 

Ao votar o pacote baixado por Lula em maio, para socorrer os agricultores inadimplentes, a Câmara deixou o embrulho mais robusto do que já era. Na versão original, previa-se que a dívida dos cerca de 2,8 milhões de proprietários rurais, estimada em R$ 75 bilhões, receberia um refresco de R$ 9 bilhões. Depois da votação, ocorrida nesta quarta (6), o desconto escalou a casa dos R$ 10 bilhões. Um pedaço do torrão de açúcar será bancado pelo Tesouro. Ou seja: sairá do bolso do contribuinte.

 

Antes das modificações injetadas pelos deputados no pacote de Lula, a Fazenda avaliara em cerca de R$ 1,2 bilhão o prejuízo ao erário ao longo dos próximos anos. Agora, estima-se que a cifra pode passar de R$ 1,5 bilhão. Isso, obviamente, se as dívidas roladas forem efetivamente honradas.

 

Há na equipe técnica do governo quem trabalhe com números ainda mais robustos: R$ 15 bilhões de alívio aos devedores e até R$ 5 bilhões de prejuízo ao erário. O prejuízo potencial é menor do que o desconto porque o governo acredita que irá receber uma parte da dívida que dava como perdida. 

 

Para complicar, os deputados introduziram no embrulho de Lula ingredientes que acomodam a encrenca do passivo rural fora da esfera de controle do governo. Por exemplo: no formato idealizado pelo governo, o agricultor beneficiado com a rolagem teria de confessar o débito e desistir das ações judiciais abertas para contestar os valores. Em troca, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional suspenderia as ações de cobrança das dívidas, várias deles já inscritas no cadastro de devedores ativos da União.

 

Pois bem. Na Câmara, os deputados derrubaram as exigências impostas aos agricultores. Não terão de confessar os débitos. Tampouco serão obrigados a desistir das ações judiciais. Manteve-se de pé apenas a obrigatoriedade de suspensão das ações de cobrança movidas pela procurdoria fazendária.

 

Significa dizer que, beneficiados com todas as vantagens da renegociação, os agricultores poderão ver suas dívidas minguarem ainda mais se, mais adiante, obtiverem na Justiça sentenças que os favoreçam.

 

Outro exemplo: aprovou-se no plenário da Câmara uma emenda que permite aos devedores rever o rol de bens que deram em garantia na hora que contraíram os empréstimos desonrados.

 

Garantias avaliadas em valores acima do montante das dívidas poderão, agora, ser substituídas por bens e imóveis de menor valor. Assim, empurra-se para dentro dos contratos de empréstimo uma dose extra de insegurança para quem detém o crédito –as casas bancárias do governo, em sua maioria.

 

Introduziram-se ainda no pacote de Lula dois benefícios extras aos agricultores encalacrados. O primeiro fora negociado com a Fazenda: ampliou-se de cinco para dez anos o prazo de rolagem das dívidas. O segundo foi aprovado à revelia do governo: a taxa de juros que rege os contratos de empréstimo deixou de ser a Selic. Passou a ser a TJLP.

 

Com isso, os juros que indexavam as dívidas, antes de 13% ao ano, despencaram para 6,25%. Uma novidade que transforma os inadimplentes em privilegiados. E faz dos agricultores que honraram suas duplicatas em dia uma penca de rematados idiotas. A redução dos juros foi aprovada pela confortável margem de 264 votos contra 128.

 

O projeto segue agora para a análise do Senado. Ali, o Planalto tem a esperança de corrigir as “distorções” produzidas na votação da Câmara. Com a ajuda, diga-se, de “aliados” insurretos. O problema é que, entre os senadores, a maioria do governo é flácida como gelatina. O que acomoda as intenções do governo no campo das incertezas.

 

Relator da medida provisória que alivia o cotidiano dos agricutores endividados, o deputado-ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS) afirma que o pacote “não será uma solução definitiva” para o setor. É como se dissesse: mais adiante, os tratores voltarão a roncar na rampa do Palácio do Planalto. Tem sido assim ao longo da história.

 

A antepenúltima grande renegociação rural ocorrera em 2001, sob FHC. Envolvera dívidas de cerca de R$ 15 bilhões. O pacote atual, penúltima tentativa de acerto, embrulha em papel de seda débitos de R$ 75 bilhões.

 

Difícil dizer de quanto será a dívida na próxima rolagem. Sabe-se apenas que ela virá. É certo como o nascer do Sol a cada manhã. Aos vencedores, diria Machado de Assis, sempre as batatas. Ao Tesouro, as cascas.

 

SUGESTÃO DE LEITURA – confira aqui, se desejar, outras notas publicadas por Josias de Souza, da Folha de São Paulo.

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