Dependência química: planos de saúde e prazo (in)determinado para o tratamento – por Vitor Hugo do Amaral Ferreira
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifestou em decisão emblemática a respeito do custeio, por tempo indeterminado, de tratamento para dependentes químicos por plano de saúde privado. Faço aqui uma síntese da excelente análise do amigo e especialista em direito do consumidor, Prof. Vitor Vilela Guglinski, que trata o tema.
No artigo intitulado TJ/SP: Plano de saúde deve custear tratamento para dependente químico por tempo indeterminado, o autor cuida em analisar o acórdão de origem da Corte paulista, apontando-o como exemplo típico da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais se prestam a limitar o poder do Estado, evitando que os indivíduos sofram abusos por parte do Poder Público. No entanto, há situações em que os particulares também poderão violar direitos fundamentais, especialmente com fundamento no absolutismo da autonomia privada.
Neste sentido, ao compreender a matéria, que por fato é delicada e merece ser tratada com cautela e propriedade, o autor do texto em comento nos deixa os seguintes pontos para reflexão:
1) O direito à saúde está intimamente relacionado à vida, prevista no caput do art. 5º, da Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental.
2) A saúde é um dever do Estado, isto é, uma prestação positiva a ser adimplida pelo Poder Público (art. 196, CF), cabendo ao Sistema Único de Saúde (SUS) desenvolver as ações necessárias para que esse direito seja garantido a toda população, indistintamente, em razão do princípio da universalidade de cobertura. Isso significa que qualquer cidadão, rico, pobre, branco, negro, índio, homossexual, heterossexual, enfim, qualquer pessoa, indistintamente, tem direito a se utilizar do SUS, caso queira.
3) A Constituição autoriza ao setor privado a prestação de assistência à saúde, cuja previsão consta do art. 199; contudo, advirta-se que a assistência privada não substitui a ação estatal, possuindo caráter suplementar (o texto constitucional emprega, equivocadamente o termo “complementar”).
4) No Brasil existem, aproximadamente, 44 milhões de usuários de planos de saúde, e que vêm sofrendo uma diversidade de abusos por parte das respectivas operadoras, sendo que uma das mais comuns é exatamente a negativa de cobertura do atendimento.
5) O consumidor do plano de saúde contrata o seguro objetivando receber atendimento até que sobrevenha a cura; quer ter sua saúde restabelecida integralmente. Assim, são abusivas as cláusulas contratuais que limitam o tempo de internação, matéria que o STJ, a propósito, decidiu recentemente.
6) O contrato de prestação de serviço, em especial de tratamento de saúde, é um pacto de cooperação e solidariedade, em consonância aos princípios consumeristas da boa-fé objetiva e função social, tendo o intuito precípuo de assegurar ao consumidor, no que tange aos riscos inerentes à saúde, tratamento e segurança para amparo necessário de seu parceiro contratual.
7) Os artigos 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do CDC preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa do consumidor de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado no que tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida.
Por certo, as garantias e direitos fundamentais são hierarquicamente superiores aos mandos contratuais, vivemos outrora a supremacia, inclusive a tirania dos feudos, da igreja, das monarquias; hoje devemos temer o absolutismo, o empoderamento das grandes instituições detentoras dos serviços e produtos que nos são essenciais.
Vitor Hugo do Amaral Ferreira
@vitorhugoaf
Prezada Zureta,
Grato pela contribuição. Concordo com sua opinião. Ocorre que o Poder Judiciário tem se ocupado de pequenas demandas, que no montante entravam e produzem a dita morosidade; se os nossos tribunais pudessem se ocupar de causas e ações deste porte poderíamos sim buscar nossos direitos com maior efetividade; mas hoje as importantes demandas perdem espaço para as brigas de vizinhos que lotam as comarcas; neste contexto as pessoas contratam planos de saúde privado que também prestam-se a contribuir com as mazelas da prestação de serviço em saúde, seja público ou privado.
Prezado Vitor Hugo. Ao meu ver, nós agimos errado, ao não tratar o Estado (aí falo Estado, mas leia-se país/estado/cidade) como uma empresa que nos presta serviços a partir de uma remuneração por eles (os impostos), que possui direitos e obrigações No caso de descumprimento de qualquer dessas obrigações para conosco, procurássemos os nossos direitos massivamente, acredito que nem estaríamos discutindo este assunto hoje… As pessoas falam hoje na “indústria das indenizações” dos Estados Unidos, mas acredito seriamente que, se tocássemos no órgão mais sensível dos nossos governantes e governos (o bolso) as coisas funcionariam melhor.