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Transmissões online por celular estão contando a história da guerra Israel versus Hamas – por Carlos Wagner

Tudo é contado “pelas imagens e depoimentos que circulam nas redes sociais”

A verdade é a primeira vítima das guerras, mas as novas tecnologias estão mudando essa situação (Foto Reprodução)

Bem cedinho na manhã do dia 11 de setembro de 2001 eu rumei para uma entrevista com um grupo de jovens fundamentalistas islâmicos em um apartamento na cidade uruguaia do Chuy, que é separada por uma avenida do município gaúcho de Chuí, no extremo sul do estado. Quando entrei no apartamento, num prédio de poucos andares, a algumas quadras da fronteira com o Brasil, tive a minha atenção despertada para o tamanho de um aparelho de TV, que parecia ser maior que a sala onde o grupo de jovens estava sentado em dois sofás.

Eles estavam de passagem pela cidade e rumando para Montevidéu, a capital do Uruguai, de onde embarcariam num voo para a Europa. Começamos a conversa e não se passaram nem 10 minutos quando apareceu na TV a imagem do primeiro avião sendo jogado contra as Torres Gêmeas, em Nova York, nos Estados Unidos.

Os jovens começaram a falar em árabe e o meu contato, uma fonte que havia conseguido a entrevista, me pediu que saísse. Logo que saí e fecharam a porta do apartamento ouvi gritos de comemoração. Por que eu estava lá justamente no minuto que começou o ataque de 11 de setembro? Por uma dessas coincidências que às vezes acontecem na vida do repórter.

Estava lá porque havia uns três meses vinha fazendo uma reportagem investigativa que pretendia responder a uma pergunta: existiam ou não terroristas fundamentalistas islâmicos nas fronteiras do Brasil? Na época, os serviços de inteligência americanos acusavam o governo brasileiro de fazer vistas grossas para a presença de terroristas nas fronteiras.

Fui escolhido para fazer a matéria por ser repórter investigativo e ter como uma das minhas especialidades o crime organizado nas fronteiras. Por essa razão, sempre tive boas fontes nessas regiões. Depois dos atentados de 11 de setembro fiquei mais de meio ano fazendo reportagens sobre terrorismo nas fronteiras brasileiras, especialmente com a do Paraguai.

Por conta disso, convivi muito com agentes de inteligência da Polícia Federal (PF) e de agências americanas, israelitas, paraguaias e argentinas em Foz do Iguaçu, cidade do oeste do Paraná, na chamada Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Por ser densamente povoada por comerciantes árabes e asiáticos, além de pessoas procedentes de outros cantos do mundo, os americanos consideravam a região um esconderijo natural para terroristas.

Durante a convivência que tive nesse período com agentes dos serviços de inteligência aprendi a lidar com esses caras. Eles são escorregadios, cheios de conversa fiada, e adoram usar a imprensa para plantar versões mentirosas dos fatos. Contei essa história por ter ouvido o embaixador de Israel nas Nações Unidas (ONU), Gilad Erlan, no domingo (08/10), comparar o 11 de setembro nos Estados Unidos com a invasão e a carnificina feita na invasão do território israelense pelo Movimento de Resistência Islâmica, conhecido como Hamas, que dirige o território de Gaza e tem um braço filantrópico e outro armado.

Não vou entrar nessa história de comparação – há material suficiente na internet para quem se interessa pelo assunto. Vou conversar com os meus colegas sobre o que vi de diferente nesse episódio da invasão de Israel pelo Hamas de outras guerras.

Em primeiro lugar, o uso das novas tecnologias de comunicação, com destaque para os celulares, a exemplo do que está acontecendo na guerra entre Rússia e Ucrânia. Em 22 de março de 2022 escrevi o post Os pais dos soldados da guerra da Ucrânia e o destino dos seus filhos. Eles ficam sabendo do destino do filho no momento exato do acontecimento, porque a guerra é transmitida online pelos celulares.

A invasão do território israelense pelos milicianos do Hamas está sendo explicada passo a passo pelos noticiários das TVs a cabo. A execução de civis pelos terroristas pode ser vista nas redes sociais. Inclusive, a história de Ranani Glazer, 24 anos, gaúcho (brasileiro-israelense) que estava em um show musical invadido pelos milicianos, que entraram atirando em todo mundo e fazendo dezenas de reféns.

Glazer se refugiou em um bunker e antes de ser morto fez transmissões online para as redes sociais. Ele é uma das duas vítimas brasileiras na guerra Israel-Hamas. A retaliação que o exército israelense está fazendo na Faixa de Gaza, com artilharia e bombardeios aéreos, também está sendo transmitida online pelos celulares dos moradores.

A história dessa guerra será contada pelas imagens e depoimentos que circulam nas redes sociais. Nas primeiras 48 horas do conflito morreram 2 mil pessoas (incluindo 11 latino-americanos, sendo dois brasileiros), a maioria civis. No terceiro dia da cobertura começou a acontecer uma mudança no conteúdo dos jornais, das redes de TV e de outras plataformas de comunicação.

A pergunta que todos os jornalistas, em especial os comentaristas especializados em coberturas de guerra, começaram a fazer era: como o Hamas pôde planejar uma operação de tamanha envergadura sem ser detectado pelo serviço de inteligência israelita, considerado um dos melhores do mundo. Por que os batalhões do exército israelita que ficam de plantão para dar uma resposta imediata em situações de emergência demoraram tanto a agir?

A resposta para essas duas perguntas e outras apontou na direção do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, 73 anos. Em outras ocasiões, ele seria blindado em uma situação semelhante. O que aconteceu? Os jornalistas, em especial os israelenses, lembraram que Netanyahu responde a duas acusações criminais na Justiça. E que, por conta disso, vem tentando dar um golpe judicial, mudando as leis do país.

Nos últimos meses, manifestantes têm lotado as ruas e avenidas das cidades israelenses pedindo a cabeça do primeiro-ministro. Para permanecer no governo, ele fez uma aliança com a extrema direita religiosa, um grupo que não reconhece a existência dos palestinos, assim como o Hamas não reconhece Israel. Li um artigo do jornalista Thomas Friedman, publicado no The New York Times e no Estadão. De maneira serena e cheio de bons argumentos, Friedman afirma que, no fim de tudo, Netanyahu deverá prestar contas para a Justiça.

Ainda tem mais uma história. Circulou uma notícia de que os serviços de inteligência do Egito, país aliado de Israel, avisaram as forças armadas israelenses que o Hamas estava planejando uma grande ofensiva. O primeiro-ministro desmentiu a notícia.

Arrematando a nossa conversa. Comecei a escrever este texto pensado no livro A Primeira Vítima, do jornalista australiano Phillip Knightley (1929-2016). Ele diz que a primeira vítima em uma guerra é a verdade. Por muitas décadas essa era a realidade. Os governos contavam a sua versão dos fatos e ela virava a história oficial do conflito.

Hoje, graças às modernas tecnologias de comunicação, é possível acompanhar em tempo real os acontecimentos dos campos de batalha e seus desdobramentos entre as quatro paredes dos governos. Isso nos dá uma chance de escrever a real história dos fatos. Claro, existem as fake news. Mas também existem as agências de verificação.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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8 Comentários

  1. No horizonte combate urbano. Batalha de Hué no Vietnam. Fallujah I e II no Iraque. Batalha de Ramadi no mesmo lugar. Tuneis como no Vietna, Tem tudo para morrer gente a dar com os pes, dos dois lados.

  2. Yuval Noah Harari tem tios no Kibbutz atacado. Beirando os 100 anos. Sobreviveram. Como outros kibbutzim la por perto foi fundado por peaceniks. Gente com a paz como segunda religião. Gente que foi ‘fazer o deserto florescer’. Bens coletivos, meios de produção idem, socialismo. Tem um bom padrão de vida não pela agricultura, mas por conta de uma grafica bastante lucrativa. Muitos dos que estavam na Rave atacada estava protestando contra Bibi dias antes. Frequentadores de Rave é o pessoal de Tel Aviv, gente jovem, não poucos adeptos do uso de MDMA. Israel é uma tribo, ponto de vista de lá é bastante diferente.

  3. ‘[,,,] nos dá uma chance de escrever a real história dos fatos.’ Obvio que não. Vide Manaus, esta tapada de fumaça por conta das queimadas e não é culpa de ninguém. Virgindade tem cirurgia de restauração, credibilidade de jornalista não tem.

  4. ‘Ele diz que a primeira vítima em uma guerra é a verdade.’ Dizem que a frase é de Esquilo. Dois mil e quinhentos anos atras. ‘[…] desdobramentos entre as quatro paredes dos governos.’ Obvio que não, o teatro de ma qualidade que os governos encenam para os que estão de fora.

  5. Thomas Friedman tem lado nesta historia. Golda Meir saiu da politica, dizem, por conta do Yom Kippur. Não seria nenhuma surpresa Bibi cair. Noutro dia assisti um podcast onde o convidado era Haviv Rettig Gur. Comentou sobre a diferença de visões entre os judeus que vivem na Ianquelandia e os que vivem em Israel. Os liberais americanos, segundo ele, ‘não viveram o século XX’.

  6. ‘[…] porque a guerra é transmitida online pelos celulares.’ Muitas vezes sem data, sem contexto e sem referencia. Fica impossivel distinguir da propaganda. Ou seja, muita imagem e muito pouca informação. Maioria dos jornalistas não estão melhores, exceções há, os Sebastian Junger da vida.

  7. ‘Durante a convivência que tive nesse período com agentes dos serviços de inteligência aprendi a lidar com esses caras.’ Sim, autor é muito mais inteligente que o James Bond.

  8. Em tempo. Militante imbecil da urb comparou o Hamas com os evangelicos brasileiros. ‘É assim que começa’. Carta do Hamas, ‘a mulher não precisa de autorização e nem o escravo do seu mestre para combater’. ‘Iniciativas futeis de paz’. Estado teocratico. ‘Renunciar a qualquer parte da Palestina que seja é renunciar a uma parte da religião’ (terra é muçulmana até o dia da ressurreição). Existe o contexto (ao qual os vermelhos aderem) da ‘invasão’, do ‘colonialismo’, etc. Vermelhos andaram também ‘gastando’ os vocabulos ‘fascista’ e ‘nazista’. E numa manifestação pro-palestina na Australia, ao lado da Opera de Sydney, clamores de ‘gas the jews’. Algo como ‘camara de gas para os judeus’.

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