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O processo – por Bianca Zasso

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Saber como será o amanhã já rendeu samba e alimenta conversas nos mais diversos meios. Conhecer com antecedência o futuro mexe com as pessoas. Nosso cotidiano poderia ser mais calmo ou melhor organizado se pudéssemos descobrir o que nos espera no próximo amanhecer. Porém, há quem acredite que é no passado que podemos encontrar as respostas que tanto desejamos. Crenças à parte, se somos capazes de viver várias encarnações, seríamos mais evoluídos se lembrássemos quem fomos nos outros séculos? Um filme vindo do Oriente bebeu nessa fonte. Com profundidade.

Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas, é o longa mais conhecido e aclamado do tailandês Apichatpong Weerasethakul. O cineasta, inspirado por um livro de memórias de um idoso que afirmava poder ver suas vidas pregressas quando em meditação profunda, resolveu colocar na tela uma mistura de história fantástica com lembranças de infância.

Apesar da declarada inspiração, Tio Boonmee segue a linha dos filmes anteriores de Apichatpong, mais interessados na experiência sensorial do público do que na pura narração. Seu cinema não é inalcançável, mas certas instruções tornam a sessão mais divertida. Encaixado muitas vezes na lista de diretores entusiastas do cinema de fluxo, que foge do modelo clássico ocidental ao qual somos apresentados ainda crianças, pelos filmes Hollywoodianos, o diretor trata suas obras como instalações de arte.

Esse olhar sobre o próprio trabalho parece ser fruto de sua formação em artes visuais, trabalho que visa o prazer de apreciar imagens, duvidar delas, experimentar outros ângulos, que não os conclusivos. David Lynch, outro criador de instalações cinematográficas, trouxe seu filtro sob o mundo em uma linguagem mais fantasmagórica e com trilha sonora pop. Já o filtro de Apichatpong é mais leve e sensível. Seus fantasmas, literalmente, apresentam-se de forma natural, surgem sem alardes ou fumaça em volta. Não assustam, são parte do cotidiano.

Tio Boonmee pede uma cadeira confortável e um espectador disposto a se deixar levar pela beleza e até a bizarrice de suas cenas. Interpretar signos ou buscar a antiquada moral da história não deve estar na ordem do dia. Porém, aos apaixonados por explicações, podemos dizer que o filme apresenta um modo diferenciado de encarar a proximidade da morte. O protagonista, que tem uma grave doença renal, em momento nenhum tenta mudar seu destino ou se apegar a suas outras vidas para esquecer que o fim de mais uma está logo ali.

Tio Boonmee é filme de sentir e absorver cada imagem com “nossas vidas”, nossas experiências, já que o diretor também usou as suas para filmar. São duas horas longe do mundo regrado para encontrarmos outros mundos, inclusive o que criamos para sobreviver. As coisas não estão fáceis, seja aqui ou na Tailândia, mas a arte pode ser um respiro.

Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Loong Boonmee raleuk chat)

Ano: 2010

Direção: Apichatpong Weerasethakul

Disponível em DVD na coleção Cultura MOSTRA

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