Flávio Tavares beira os 80 anos. Mas tem uma boa memória. É outro que não esquece do regime que torturou, matou e suprimiu todas as liberdades democráticas no Brasil. Um período de trevas, iniciado há 50 anos. Naquele momento histórico, era repórter em Brasília. E lembra até hoje a sessão de 3 minutos, na Câmara dos Deputados, que declarou “vaga’ a Presidência da República. Também lembra perfeitamente dos personagens adesistas e lambe-botas da ditadura que estava começando.
O mesmo regime que, por sinal, o prendeu e o exilou, tirando-lhe parte da vida brasileira. E que continua escrevendo magnificamente, como se pode conferir a cada 15 dias em Zero Hora. E que relembra, neste artigo originalmente publicado na revista Carta Capital. Vale a pena conferir o texto em que ele conta como o Congresso virou cúmplice do golpe militar. A seguir:.
“O legado perverso
O golpe de Estado me acompanha até hoje, 50 anos depois, como ferida e como espanto. Já bem antes daquele 1º de abril de 1964, escrevi sobre seus passos, tentando penetrar na conspiração que se fazia quase à luz do dia. Eu era o comentarista político, em Brasília, da Última Hora, a única publicação da grande imprensa que não pedia a derrubada do presidente da República.
Mesmo editado em cinco capitais (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife) era um jornal solitário e isto nos obrigava a ser observadores atentos e pluralistas. O Congresso ainda tinha prestígio e poder, era o núcleo da política, e lá convivi com golpistas e anti-golpistas. Também as Forças Armadas tinham prestígio, num tempo em que se debatiam as “reformas de base” que, a partir da reforma agrária, construiriam o futuro. Ou que significavam um inferno que faria do Brasil “uma nova China comunista”, como o embaixador dos Estados Unidos sussurrava aos ouvidos de políticos e militares.
Desde a posse de João Goulart, em 1961, a extrema direita pregava o golpe que o IPES (organizado pelo coronel Golbery Couto de Silva em plena paranoia anticomunista da Guerra Fria) difundia como “salvação nacional”. Por isto, quando o general Mourão Filho rebelou-se em Minas, não me espantei. Desde os anos 1950, meia dúzia de rebeliões tinham sido dominadas pelos mecanismos da democracia. Espantei-me, porém, e me desnorteei como jornalista político ao presenciar o ardil com que o senador Auro Moura Andrade transformou o Congresso em cúmplice do golpe militar.
Na madrugada de 2 de abril de 1964, numa sessão de apenas três minutos, o presidente do Congresso – sem debate ou votação – declarou “vaga” a presidência da República, após ler um ofício em que João Goulart comunicava que viajava a Porto Alegre, com os ministros, para lá instalar o governo. Encerrou a sessão, desligou os microfones e, entre gritos de protestos e de vitória, saiu para dar posse ao novo “presidente provisório” no Palácio do Planalto…”
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