Um salve ao Espaço Cultural Victorio Faccin – por Atílio Alencar
Há muitos anos, quando entrei pela primeira vez no Espaço Cultural Victorio Faccin (que na época chamávamos de TUI, trocando descuidadamente o nome do espaço pelo do grupo que o ocupava), lembro que fiquei fascinado e intrigado. A descoberta de um teatro – na época, ainda uma obra em progresso – de perfil popular, erguido e mantido pelo suor dos artistas-trabalhadores, causou-me encantamento e simpatia imediatos; por outro lado, a pouca atenção dispensada pela administração municipal ao espaço, bem como a adesão hesitante da comunidade à proposta cultural ali apresentada, não me pareciam compreensíveis.
Algum tempo depois daquele primeiro encontro, pude acompanhar ainda mais de perto a situação do Victorio Faccin e dos seus corajosos artesãos de luta e de sonho. Por força do destino, recém-formado no curso que fazia na UFSM e desamparado da moradia estudantil que a instituição me garantia, aconteceu de eu ser acolhido junto a outros colegas pelo pessoal do TUI, que conosco repartiram o teto de zinco furado e os poucos vinténs para o pão e o vinho.
Calhou de eu morar no Victorio Faccin durante um longo e insólito verão, do qual preservo na memória as intermináveis conversas sobre teatro brasileiro, poesia marginal e tropicalismo. Ríamos muito, mas nossos dramas compartilhados – a saber, a incerteza quanto ao futuro imediato dos nossos projetos e as próximas refeições – também nos faziam amargos vez ou outra.
Lembro também que, não raro, recebíamos a visita de algum grupo de estudantes universitários, que sondavam entre a maravilha e o medo aquele bando de cabeludos que habitavam um teatro em construção. A típica e descomprometida curiosidade antropológica que faz, por exemplo, um intelectual achar graça na miséria.
Mas quando nos levavam algum agrado – de preferência etílico -, retribuíamos com extensas divagações sobre a dor e a delícia de se trabalhar com arte e cultura no Brasil. No fim das contas, creio que extraímos da adversidade nossa justa dose de diversão, e o amparo mútuo entre os que ali viviam me ensinou mais sobre solidariedade do que qualquer manual de esquerda poderia ter feito.
Ao fim daquele verão, seguimos com cada grupo nossos próprios caminhos. Dediquei meus anos seguintes ao projeto que, em parte, elaboramos sob a sombra de um abacateiro no pátio do Victorio Faccin. Sempre que pude, busquei acompanhar, mesmo à distância, os rumos do TUI e do seu teatro no Bairro do Rosário. Frequentei, talvez menos do que gostaria, peças, shows e festivais que o grupo promoveu ou hospedou.
Muito de vez em quando, pela minha rotina de trabalho, foi possível fazer uma visita mais demorada; mas quando isso acontecia, lembro que nossos assuntos sempre levavam, inevitavelmente, àquele verão e sua atmosfera irreal como a de um sonho. Sei que foram tempos duros, como foram também outros que os sucederam, mas também sei que guardamos todos aquela passagem de nossas vidas num lugar especial da memória.
Mas por que conto tudo isso, afinal? Bom, acontece que o Espaço Cultural Victorio Faccin – que ainda é administrado pelo mesmo TUI, mas agora contando com o reforço dos também guerreiros atores do Teatro Por Que Não? – estava sendo devorado pelos cupins, numa espécie de praga bíblica dos tempos modernos.
E o TUI e o TPQÑ?, mesmo sofrendo o habitual descaso por parte da prefeitura, resolveram botar o bloco na rua com uma campanha de financiamento colaborativo. Precisavam levantar a soma de 25 mil dinheiros; até onde sei, a campanha que encerrava nesta segunda última, arrecadou pelo menos 5 mil a mais.
O meu jeito de dar os parabéns aos dois grupos por sua luta e conquista foi contando minha pequena e imensa história com o Espaço Victorio Faccin. Em breve, torço eu, trocarei as palavras – sempre insuficientes – por abraços de verdade.
Realmente fazes da palavra a argila exata para a expressão do teu dom! Belo texto… Emocionante! Abraço deste novo admirador.