Artigos

As Coisas – por Luciano Ribas

Não há outro assunto que mereça mais atenção, nesse momento, do que a onda de “justiciamentos” que envergonha o país. Ou, pelo menos, a parte do país que tem dois neurônios e um pingo de valores.

Envergonha porque uma mãe de família foi assassinada pela turba enraivecida, provocada por um boato nas redes sociais. Envergonha porque, talvez, tenha sido apenas o episódio mais agudo entre outros tantos. Mas envergonha, sobretudo, por ser a manifestação do absurdo desprezo pela vida que marca a sociedade “ultracompetitiva”, líquida e midiatizada em que vivemos, onde a indignação é performática e está sempre a aguardar a postagem da mais recente tragédia.

Alguns argumentam que isso é decorrente da ausência do Estado, com “E” maiúsculo, o Leviatã de Thomas Hobbes. Concordo, em parte, pois além de ter perdido muito da sua “força” com a globalização e com as consequências das políticas neoliberais, há em todo o mundo um desencontro entre o modelo estatal inspirado pelo Iluminismo e as realidades sociais contemporâneas. Mas isso não resume a ópera.

Para mim, há responsabilidades – individuais e coletivas – decorrentes de ações e omissões nas realidades específicas e localizadas em que cada um de nós está inserido. A crise, por assim dizer, não é apenas do Estado, mas das relações e instituições humanas em geral: imprensa, família, escola, partidos, entidades, empresas, igrejas, grupos sociais, sindicatos, círculos de convivência, etc. É esse ambiente generalizado de intolerância, competitividade abusiva, individualismo e desumanização que responde pela “culpa”.

Sei que será desses “lugares” que poderão sair as soluções (e que há muitos exemplos positivos, produzidos pelo poder público e por instituições não-governamentais), mas, infelizmente, estou ficando cada vez mais pessimista, chegando ao ponto de sentir vergonha do mundo que minha geração entregará a seus filhos e netos. E sou ainda mais pessimista com relação à instituição que coloquei no início da lista, a imprensa.

Não a demonizo, mas credito a ela uma parcela extra na responsabilidade por tragédias humanas como esse linchamento ocorrido no litoral paulista. Há nos donos da mídia e em boa parte de seus funcionários, especialmente os com os melhores salários, uma sensação de irresponsável onipotência, onde Datenas, Rezendes e Sheherazades são apenas as hienas mais estridentes. Ou alguém acha que as opiniões raivosas, preconceituosas e desagregadoras vomitadas diariamente em todas as mídias (e ampliadas exponencialmente nas redes sociais) não pioram o que por si só já é ruim?

Aos apressados digo que não desejo que as realidades sejam escondidas ou mascaradas, mas quero que as “realidades” mostradas não sejam apenas as que interessam aos bolsos dos donos da bola ou que sejam falseadas para benefício destes e de seus escolhidos. Quero que informações sejam conferidas e reconferidas, que haja espaço para o contraditório, que o médico que atende bem tenha tanto destaque quanto o que falta, que pessoas não sejam alvo de piadas babacas por sua cor, gênero ou qualquer outra característica física ou comportamental. Quero que exista controle social para que, como em todas as demais instituições da sociedade, haja um limitador de responsabilidades capaz de impedir que um imbecil incite pessoas comuns a saírem matando quem elas imaginam ser culpado disso ou daquilo.

Talvez eu queira o impossível, não é mesmo?

Quando penso assim, me socorro da frase presente em um adesivo que vendíamos nos anos 80, no movimento estudantil. Um trecho do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade, que diz “São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto”. E nesse momento penso que, talvez, eu não seja tão pessimista assim…

Aqui o poema completo: http://letras.mus.br/carlos-drummond-de-andrade/881736/

No Facebook: www.facebook.com/luciano.d.ribas – No Twitter: @monteribas 

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo