Coluna

Querelas – por Bianca Zasso

“O Brazil não conhece o Brasil

O Brasil nunca foi ao Brazil

Tapi, jabuti, liana, alamandra, alialaúde

Piau, ururau, aquiataúde

Piau, carioca, moreca, meganha

Jobim akarare e jobim açu”

Assim cantava nossa saudosa e potente Elis Regina, interpretando a composição de Aldir Blanc Querelas do Brasil. Isso foi há mais de 30 anos, apesar dos versos soarem atuais. Desconhecer a própria pátria não é exclusividade de quem não teve acesso ao estudo.

Tem muito doutor (aqueles que têm doutorado, que fique claro) que enxergam o país de uma forma bem distorcida, não se sabe se por falta de pesquisa ou por pura preguiça de olhar pela janela e avistar a realidade. Santo de casa não faz milagre e também não desvenda sua capela e é preciso vir alguém de fora para dizer o que nós devíamos nascer sabendo. Um desses desbravadores chama-se Terry Gilliam.

O humorista (e isto não é uma piada) e um dos fundadores do ótimo grupo de comédia inglesa Monty Python lançou Brazil – O filme sem nenhuma preocupação com a nossa terra natal. O título vem da presença da canção Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, que permeia toda a história do burocrata Sam Lowry, que só encontra um pouco de paz quando sonha ter asas para enfrentar inimigos que o impedem de encontrar sua musa loira e misteriosa.

As construções estéticas dos sonhos de Lowry trazem a assinatura de Gilliam, criador de ambientes fantásticos desde os tempos de roteirista do Monty Python. A cidade onde se passa a trama é toda em tons de cinza, as poucas cores vêm dos cartazes que vendem a ilusão de felicidade e segurança do local.

Muito metal, linhas duras e computadores estilizados dividem o espaço com os ternos e chapéus que invadiam as ruas nos anos 50, o que permite uma aproximação do público dos personagens. Nem tudo é tão distante quanto parece de nós, moradores de 2017.

O protagonista Jonathan Pryce e sua companheira de cena Kim Greist têm boas performances, mas Brazil – O filme merece nosso olhar por sua direção de arte, indicada ao Oscar e lamentavelmente não premiada. A cena da mãe de Lowry tendo o rosto esticado pelo cirurgião plástico é conhecida até por quem nunca nem passou perto do filme.

Crítica nem um pouco disfarçada pelo desejo de eterna juventude, é apenas um dos bons momentos do filme. A câmera de Gilliam voa pelos sonhos de Lowry e esse movimento vai, em etapas, entrando em sequências que caracterizam a “realidade” da trama. Forma-se o furação e, graças ao talento do diretor, nós mergulhamos nele sem olhar para trás ou questionar.

Teorias é o que não faltam, como toda ficção-científica. Há quem diga que Gilliam faz um retrato dos nossos anos de chumbo. Nesse mundo tem de tudo, mas esta que vos escreve duvida muito que isso seja verdade. O fato de ter chegado aos cinemas no ano da abertura política pode ter colaborado para essa ideia ser perpetuada.

Todo país que já viveu uma ditadura pode se encaixar na alegoria do diretor. A fuga proposta por ele ajuda a entender nossa sociedade. Funcionou nos anos 80, quando o filme chegou aos cinemas ao lado de Blade Runner, de Ridley Scott e trazendo referências visuais de Metrópolis, de Fritz Lang, e hoje ganha outros significados e discussões nesses tempos sombrios.

A música que Gilliam escolheu como trilha da sua profissão fala das belezas brasileiras, enaltecidas ao extremo e criando uma atmosfera bucólica para este país tropical que muito gringo pensa que só tem praia, mulatas e caipirinha, de norte a sul. Todos sabemos que esse Brasil só existe nas promessas dos governos golpistas. Aliás, para eles, ele existe. Nós, do outro lado do muro invisível construído por eles, trocamos a fantasia pela resistência neste filme de terror, bem longe da criatividade ilimitada de Brazil – o filme.

Brazil – O filme (Brazil)

Ano: 1985

Direção: Terry Gilliam

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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