A RBS e a Síndrome de Estocolmo dos jornalistas – por Atílio Alencar
Que tempos para o jornalismo tradicional. Não bastasse o futuro incerto para os velhos meios de comunicação frente às inovações tecnológicas e o surgimento de outras mídias, o próprio ofício de jornalista sofre, dia após dia, novos e duros golpes.
O mais cruel indício da fragilidade atual do jornalista profissional não é, entretanto, a dificuldade das adaptações editoriais necessárias por conta da irrupção das novas mídias. Os dilemas contemporâneos da profissão ganham gravidade na evidência daquilo que todos nós já sabíamos, embora alguns preferissem o conforto do engano: em se tratando de negócios e mercado, independente da função social correspondente a esta ou aquela profissão, quem paga a conta é quem está embaixo. É sempre no nível do chão que as cabeças tendem a rolar.
Não são poucos os que chamam a atenção para a estranha relação que se estabelece entre um jornalista assalariado e a fonte de sua folha de pagamento. Desconheço, sinceramente, outro tipo de trabalhador que relute com tanta veemência em se perceber inserido num sistema de hierarquias no qual – sejamos sensatos – o patrão não é seu “colega”.
Mas com jornalistas isto não apenas é comum, como beira a caricatura: nem bem são contratados por algum veículo (e digo isto, claro, pensando em grandes grupos de comunicação, já que é nas grandes empresas que o abismo entre quem manda e quem obedece se aprofunda até perdermos o chão de vista), já estão fielmente rezando segundo um editorial que expressa ideias ditadas sabe-se lá por quais interesses.
E pior: insistem, como crédulos que não querem ceder às evidência contrárias mais gritantes, no desgastadíssimo jargão da “neutralidade” dos meios de comunicação.
Pois bem. A onda de demissões em massa nas grandes corporações midiáticas atingiu agora também o Todo-Poderoso Grupo RBS. A desgraça anunciada – cerca de 130 trabalhadores demitidos, mas o número pode ser ainda maior, segundo vi afirmarem alguns sindicalistas – abala, é claro, a vida destas pessoas e de suas respectivas famílias. Mas para o CEO do grupo, Eduardo Sirotsky (ou Duda, como gostaria de ser carinhosamente lembrado pelos demitidos), signatário da carta que joga no olho da rua mais de cem profissionais, isto não passa de uma medida de modernização para a empresa.
Aliás, é com um tom cinicamente carregado de razoabilidade que o herdeiro dos Sirotsky sublinha, no mesmo documento que veio a público esta semana, que o compromisso dele, como boss do negócio, é com os acionistas e com os clientes da RBS. Preste bem atenção nisso: não é com os profissionais empregados na empresa, nem com os leitores, nem com o bom jornalismo: mas sim com quem banca os negócios – e espera retorno financeiro para o investimento, claro. E segue adiante, todo gabola sobre seus novos empreendimentos que estão prosperando no centro do país.
Se isso, por si só, não serve como prova de que somos leitores reféns de um tipo de empresa que não está nem aí para a ética e para a verdade, mas sim, apenas para a lucratividade de seus negócios, gostaria que alguém argumentasse em defesa da famigerada RBS.
E se isso não basta para que os jornalistas que trabalham sob a batuta dos Sirotosky se libertem desta curiosa Síndrome de Estocolmo que os assola, começo a pensar que nada mais bastará.
Bom mesmo é viver de Edital de Governo
Excelente análise! ótimo texto! Realmente, é estarrecedor também o fato de que todos os "leitores" (e não só os jornalistas das grandes mídias), não consigam perceber a manipulação escancarada sempre no intuito de preservar os interesses de um grupo minúsculo, seus lucro, e a forma de reprodução de um mundo não só desigual, mas cruel no sentido mais profundo! Realmente excelente a análise sobre a preocupação dos CEO: com os acionistas! Enquanto o falar mais alto sempre o negócio, esse negocio de viver vai ser sempre insustentável! Abraço.