Porque não voto nulo – por Atílio Alencar
Você não precisa ser ou ter sido pobre para ser solidário com quem luta por melhores condições de vida. Assim como é possível ser solidário com a causa de qualquer minoria sem, no entanto, encontrar-se diretamente compreendido naquela minoria específica – digo, daqueles que sofrem cotidianamente com a privação de direitos básicos à existência.
Mas em todos os casos, eu penso que uma coisa é a experiência, e outra, a consciência. Por mais elaborada que seja uma impressão sobre determinado fenômeno social – a fome, o preconceito, o desemprego -, vivê-lo na pele será sempre algo irredutível às respectivas análises teóricas.
Neste sentido, os intelectuais de carteirinha que me perdoem: mas o conceito, por mais que se reivindique sua dimensão viva, não passa de mera abstração se não estiver em constante fricção com a vivência. Entre a teoria como teor do vivido ou como exercício inócuo de especulação, fico com a primeira opção. Sem crise.
Por isso, não posso concordar com os pensadores ditos de esquerda que defendem a tese do “quanto pior, melhor”. Quem sempre teve a opção do conforto, mesmo após as batalhas mais duras, não tem a real noção do desamparo. O ardor do mais inflamado discurso, a revolta contra a injustiça mais intragável – mesmo estes gestos precisam ser colocados em perspectiva. Atirar pedras na política e na “representação” desde um apartamento limpo e abastecido no centro da cidade é incomparável com a luta de quem precisa, dia-a-dia, disputar o reconhecimento de sua dignidade enquanto ser humano.
A quem interessa o caos social, a supremacia do mercado sobre o Estado, o desmantelamento das organizações de representação da sociedade civil? Aos que podem contornar a ausência de serviços básicos, ainda que com prejuízos. Só a eles e aos verdadeiros ricos – aquele 1% contra qual se erguem os punhos e bandeiras dos trabalhadores no mundo inteiro. Mas nunca aos que disputam a sobrevivência na linha tênue entre o absolutamente necessário e o desaparecimento.
Tudo isso, esta prolixa introdução, não nego – é para defender uma posição, uma escolha. Política, como quase todas as nossas escolhas.
Se escolho não votar nulo no segundo turno das eleições presidenciais, esta escolha é também um manifesto. Escolho votar em um partido que muitos de nós não acreditamos mais como um caminho possível para nossas lutas, mas não por concessão ou recuo em relação a tudo o que este partido deixou como lacuna. E sim por uma escolha tática: se a assimetria entre o Brasil que queremos e o que o governo nos entrega já é grande com um governo que ainda partilha a mesa com forças progressistas – ainda que minoritárias dentro da organização -, não quero jamais vivenciar um passo atrás rumo ao abismo de uma gestão assentada nas piores convicções da direita.
Além do mais, se ainda podemos escolher com quem e contra quem lutar, as eleições podem ser encaradas apenas como um momento dentro de um processo muito mais profundo. Não é o mesmo que apostar na iminência de um candidato salvador, mas na manutenção e ampliação das brechas. O resto é luta.
Só não esqueça de elucidar que quem pavimentou o caminho para a direita mais reacionária retornar com força foi o próprio PT! Por mais de uma década, potencializou o consumismo, o individualismo em detrimento do coletivo. Ressuscitou figuras sinistras como o Jáder Barbalho e Renan Calheiros e seus respectivos clãs. Reprimiu, adjetivou negativamente e criminalizou movimentos sociais e as lutas das mais diversas entidades representativas de trabalhadores em cujas bases havia disposição para a luta e conquista de bandeiras históricas. Enfim, "quem pariu Mateus, que o embale." VOTO NULO é o que nos resta!