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Uma espécie de neon azulado – por Márcio Grings

Quantas vezes eu vou ter que me despedir? Quantas vezes eu vou olhar pras coisas que me circundam, e sentir aquela sensação de que estou sondando isso ou aquilo pela última vez? O que será que me matou agora? Nunca existem respostas concretas, apenas traços de explicações, além de velhas perguntas pipocando dentro de mim. Aquela sensação de reprise, déjà vu pegando frouxo quando abro os olhos e miro o teto do meu quarto.

A aranha está lá, no canto de sempre, tecendo sua maldita teia faz décadas. É o mesmo bicho, tenho certeza. Só muda a carapuça. Qualquer espécie de sangue invertebrado que jogue energia naquelas mil pernas é potencializada por uma espécie de conspiração comungada com o obscuro. Não é preciso entender, apenas compreenda que veredas como essa não podem (e nunca devem) ser explicadas. Existem minúcias incompreensíveis aos olhos de quem apenas “vê”, e quase sempre nunca “sente”. Eu seu qualékié.

Quantas vezes eu vou dizer adeus? Já percebeu como o tempo corre de uma forma diferente? Vinte quatro horas de hoje não correspondem às vinte quatro horas de ontem. Alguém anda subvertendo o tiquetaquear dos ponteiros do relógio. Quando olhei pra você aquele dia, eu tive certeza que aquela seria a última vez. Ao acordar nesta sexta, senti uma estranha dor na parte inferior das costas, um incômodo ardido que se infiltrava há dias. Percebi uma diminuta saliência. Poderia ser algum tipo de câncer começando a fazer casa no meu corpo. Ou quem sabe fosse só um nódulo inofensivo que apenas rememorava a mortalidade que havia em mim. Afinal, eu morri. E não foi daquele troço. Tudo é tão misterioso, vago.

Vou precisar nascer de novo, já que capotei pela enésima vez há poucos minutos. Não deixei legado material, isso sem contar meus livros e discos, alguns milhares deles que provavelmente irão virar entulho em algum aposento escuro. Esse é meu desejo. Afinal, a carne e a matéria apodrecem. Já o espírito, ele fica por aí. Sossegado ou não. No meu caso, dando os primeiros passos nessa névoa macia de uma nova vida. Mesmo que sinta que meus pés estão acorrentados a alguma merda que ainda não descobri. O que será esse troço?

É. Eu morri de novo. Acontece nas melhores famílias. Não precisa rezar nenhuma droga de missa nem derramar uma única lágrima. ‘Tá tudo na mais completa paz (dentro ‘daquelas’, né?). Eu entendo toda aquela dor dos antigos bluesmen, o sofrimento e o impedimento de ir em frente. A chupação de toda a turma do rock em cima das velhas melodias. Os negões foram pilhados e sacaneados como poucos. De alguma forma, tenho ligações com essa turma de injustiçados. Também fui explorado a vida toda. Deve ser por isso que bati as botas. Afinal, cansei. Agora ficou tudo zerado. Olho pra frente e vejo uma espécie de neon azulado dando a letra no meio da bruma.

Já perceberam como a volta é sempre mais rápida? Alguém me chama, preciso ir. Adiós.

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