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Done Got Old – por Márcio Grings

Juro, eu tento não escrever sobre música. Na verdade, nem sei o que os leitores pensam sobre isso, ninguém fala nada mesmo! Afinal, será que alguém tá lendo isso agora? De todo o modo, uma coisa precisa ficar bem clara: sim, eu ouço música o tempo todo. No carro, em casa, no smarthphone, enfim, trabalho e escrevo sobre música. Meus dias são assim, acompanhados de canções.

Elvis disse algo bacana sobre essa história de se sentir acompanhado pela música:

“Sem uma canção, o dia nunca chegaria ao fim; sem uma canção, um homem não tem um amigo; sem uma canção, a estrada nunca se curva – sem uma canção”.

Vou falar de duas delas. A primeira é um blues destruidor de Buddy Guy.

“Done Got Old” é o som que abre o álbum “Sweet Tea”, lançado em 2001. O nome do disco (chá doce), na verdade não passa de uma fina ironia, pois esse disco condensa um bocado de temas extremamente amargos. Nada de doçura na jogada. A letra do som fala de um personagem que percebe que está envelhecendo. Enquanto a ficha cai, ele reforça:

I’m an old man / And I’m not the same”.

O peso dos anos chega pra todos. A voz e a forma como Guy entoa a letra, o som do violão, o conteúdo, o sentimento e toda a carga emocional do blues, fazem dessa música um faixa perigosa para percorrermos em certos momentos.

Confesso que nunca “Done Got Old” tinha me atingido tanto quanto na manhã da última quarta-feira, quando a ouvi no CD do carro, a caminho do trabalho. Cheguei a ficar de cara amarrada enquanto ia absorvendo seus três minutos e vinte segundos de duração. Engraçado é que durante uns três anos, esse mesmo som esteve no set das apresentações da saudosa Red House, banda da qual fui integrante por quase uma década. Eis que só agora sinto a paulada real. Essa era a música que abríamos os shows.

Putz, muita coragem começar uma apresentação com um som deprê desses! Rodrigo Ardais, vocalista e guitarrista da Red, um dos maiores fãs de Buddy Guy que conheço, ainda colocou mais umas três ou quatro músicas de “Sweet Tea” no repertório. Essas canções mudavam todo o clima. Uma nuvem cinza pairava sobre nós. De toda maneira, nada semelhante à nebulosidade que me atinge ao ouvir agora “Done Got Old” três vezes seguidas no CD player. O céu fechou.

Desligo o equipamento, fecho o carro, pego o smarthphone, toco com o dedo no APP da On The Rocks, e então coloco o fone de ouvidos…

Música número dois. E aí o sol surge. Beiiiiiiiiii. Pego o início de “Couldn’t Just Tell you”, de Todd Rundgren.

Saio rua afora com um sorriso no rosto, cantando:

“Keep your head and everything will be cool”.

Que puta rock and roll! Sim, Todd! Nada de abaixar a cabeça, afinal, tudo vai acabar bem! Parece que tomei uma vitamina instantânea. E assim, um tema anula o outro. Pufff!

Talvez esse seja um bom exemplo de uma espécie de transtorno bipolar associado a minha atividade de ouvir música. Como alguém pode mudar o espírito tão rapidamente? Que espécie de dispositivo é esse? Será somente a música esse agente deflagrador? Sei lá! O que posso dizer é o minha manhã foi salva pelo som do Todd. Mas…

Final do dia, então eu desço a Venâncio em direção ao Hotel Itaimbé, local onde deixo meu carro, pensando em mil coisas, numa outra vibe. Aparentemente acreditava ter deletado o episódio da manhã. Entro no carro, coloco o cinto e ligo o som.

“Well, I done got old / Can’t do the things I used to / ‘Cause I’m an old man”.

Tinha esquecido o disco dentro do CD player. Deixei a música acabar e quando “Baby Please Don’t Leave Me”, faixa dois de “Sweet Tea” começou a tocar, lembrei que esse foi o tema que puxou o minidocumentário do Cesma in Blues.

Já era tarde, nesse momento eu já era outro cara. Meu rosto novamente ganhou feições pesarosas.

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