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Contradições – Liliana de Oliveira

Em época de eleição ouvi muitas pessoas justificarem que não votariam em determinado candidato(a), pois não compactuavam com a corrupção. Como se a escolha por determinado candidato (a) representasse apoio incondicional e irrestrito. O mais estranho nisso tudo é que algumas (tantas) destas mesmas pessoas que condenam a corrupção desviam sistematicamente ou cotidianamente. A diferença é que o fazem sem que os demais o saibam. Acredito que elas mesmas não se vejam como corruptas. Tal é o nosso estranho hábito de naturalizar.

Para nós, pertencentes a uma classe social privilegiada, não é corrupção se associar a grandes laboratórios e receitar remédios aos pacientes em troca de passagens, hospedagens e participação em grandes congressos. Também não é corrupção não dar nota fiscal; não é corrupção pagar propina; não é corrupção ter dedicação exclusiva e trabalhar em outros lugares no horário que deveria estar prestando serviço aquele que nos paga; não é corrupção receber salário e não prestar um serviço de qualidade; não é corrupção não cumprir horário no trabalho, etc.

Ou seja, tudo aquilo que fazemos não é corrupção. Corrupção é aquilo que os outros fazem. Ou melhor, aquilo que os políticos fazem. E assim vamos seguindo, separando-nos dos políticos com a doce ilusão de que somos melhores do que eles.

Adoramos maniqueísmos. Somos herdeiros de uma tradição dualista. Adoramos repartir o mundo entre os bons e os maus, os homossexuais e os heterossexuais, os morais e os imorais, os liberais e os comunitaristas, os ateus e os crentes e, por aí vai. E, claro, sempre nos colocamos no grupo que valoramos. Sempre nos refugiamos em algumas categorias, a fim de garantir aquilo que somos e na tentativa de fugir de tudo aquilo que nos amedronta.

Temos medo das possibilidades. Por isso, sempre somos os “cidadãos de bem”, bons e tudo aquilo que entendemos que nos dignifica. Enquanto o outro é tudo aquilo que é desviante. Tudo aquilo que ameaça, viola, fere, transgride.  Como nos diria J. Paul Sartre, o inferno são os outros.

Mas, afinal, por que temos esta estranha obsessão pela disjunção?  Não seria mais interessante viver em um mundo onde pudéssemos não definir ou encerrar nossa sexualidade? Não seria melhor reconhecer que o desviante também nos constitui? Não seria melhor reconhecer que somos bons e maus e que por vezes somos capazes de lindos gestos e em outras somos de uma miserabilidade tamanha? Não seríamos mais generosos com os erros dos outros e até mesmo com os nossos na medida em que nos reconhecêssemos como seres contraditórios e também capazes de cometer equívocos? Olhar para nossas contradições pode revelar muito sobre nós mesmos!

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