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KISS, 2 ANOS. A ida: “mas é o Programa do…”. E a volta: “não interessa se é do guegué, gogó ou gugu!”

Kiss, dois anos depois. Naquele 27, como nunca, o profissional e o cidadão se misturaram
Kiss, dois anos depois. Naquele 27, como nunca, o profissional e o cidadão se misturaram

Vou me permitir, neste texto, utilizar a primeira pessoa. Desde o início. Sinto essa necessidade que alguns interpretariam (mesmo que com, quem sabe, alguma condescendência) com cabotinismo. Corro o risco. Penso que vale a pena.

Esparsamente, contei essa e várias outras histórias a amigos e familiares. Parte pequena (mas significativa, ao olhar dos realizadores) está no “Janeiro 27” – que você pode ver e ouvir daqui a pouco, às 9 da noite, no endereço:  http://www.multiweb.ufsm.br/aovivo/canal1.

Ao ponto.

Disse à colega Tatiana Py Dutra (a quem não pedi permissão para citar, mas falamos sobre isso no Feicebuqui, tempão atrás) que quem passou o 27 de janeiro de 2013 no Hospital de Caridade tem lado. E este, com certeza, é o das vítimas, jamais do poder. E é nela que penso a cada vez que aquele domingo me vêm à mente.

Dito isto, vamos ao outro lado, à face perversa da mídia naquele dia insano.

Convivi com gente que estava acostumada a ler ou ouvir ou ver. Percebi, como nunca antes e certamente nunca no futuro, o quanto é possível encontrar gente da maior qualidade pessoal e profissional. Gente dedicada. Gente educada. Gente muito profissional, não obstante a emoção. E gente absolutamente desqualificada.

Poderia falar aqui de José Roberto Burnier. Poderia falar daquele chinês (que não entendia patavina de português e se escorava numa produtora chinesa que morava no Rio) escoltado pelo taxista Luiz. Ou até daquela moça da rádio francesa. Ou mesmo das colegas de assessoria da Força Nacional do SUS. Mas prefiro fazer o contraste de outra forma.

De um lado, a Tati. Gente!!! Sorrimos e até falamos bobagens (minto, eu falei – a Tati riu, como eu, com nervosismo, segundo minha interpretação) como forma de fazer de conta que aquilo era uma cobertura normal. Ela fez o trabalho dela. Eu o meu. Mas fomos definitivamente humanos, em todos os sentidos.

De outro, um cara cujo nome esqueci (se é que perguntei ou ele me disse), que insistia em tentar me obrigar a colocar um médico que atendia os feridos para falar no programa dominical da tarde – do qual era produtor. Insensível, no mínimo. Como o programa do chefe dele.

Não lembro agora quem, mas havia um graúdo do HC perto de mim, lá pelas 3 da tarde, no momento em que eu atendia o telefonema (sim, em segundos, todos descobriram o número do meu celular). Que, para minha satisfação, ao terminar o enrosco, disse: “muito bem, Claudemir”. Só mais tarde elaborei aquilo e vi que havia agido corretamente.

O cara: pô, você não me consegue um médico? Uma enfermeira? Alguém? Preciso colocar no ar daqui a pouco. O (…) está entrando no ar e preciso ter algo quente para mostrar.

Eu: desculpa, colega, mas o nosso pessoal está todo trabalhando desde a madrugada. E não tenho condições de tirar alguém de lá para vir aqui.

Ele: poxa, parceiro. Assim você me derruba. É o grande assunto do dia. Você não está facilitando.

Eu: amigo, minha função é ajudar. Mas mais importante que isso é atender aos feridos. E eles são mais de 100 nesse momento. Sem falar que temos que atender às famílias das vítimas.

Ele: pô, cê tá impedindo o meu trabalho, e não me ajudando.

Abrir parêntese: nesse momento preciso, a paciência se esgotava. Mas ainda tentei contornar. Fechar parêntese.

Eu (já em tom mais alto): Amigo, tu é que parece não estar entendendo. Temos mais de 100 feridos para tratar, familias para atender, dezenas de jornalistas para auxiliar e você quer que eu largue tudo para encontrar alguém que está trabalhaaaandoooo para abrilhantar o programa?

Ele (agora audivelmente puto da vida, resolveu dar um carteiraço): pô, mas é o Programa do (…).

Eu (decidido a fechar a conversa, agora indignado): pô, tu, meu amigo. Não me interessa se é programa do guegué, do gógó ou do gugu. Não tenho como te atender.

Ele: pô, como cê é mal-educado.

Eu: vai te catar. Até logo.”

Fim do telefonema.

RESUMO: para uma Tati, que é da maior categoria como profissional, e comigo sofreu como nunca naquele domingo, sempre haverá, lamentavelmente, um produtor de programa sensacionalista que se acha. Ela foi tratada de um jeito. Ele de outro. Simples assim.

PS 1. Há muitas histórias daquele dia. Elas vêm e vão. Especialmente num dia como hoje, em que me sinto junto com os familiares das vítimas. Sempre. E em qualquer circunstância. Ponto.

PS 2. Pensei muito antes de contar essa história. Decidi pô-la “no papel” com um único objetivo: jornalista não é diferente de ninguém, ao contrário do que se imagina (e isso é muito mais comum do que parece). Tem virtudes e defeitos. Ética ou falta de. E, com absoluta certeza, tem sentimentos. Os melhores. E os piores também.

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2 Comentários

  1. Prezado Claudemir: Lí teu post com atenção e, confesso, me bateu uma indignação. Prá muita gente, a notícia, o sensacionalismo, o "furo" é mais importante do que a gravidade de uma situação. Sempre, seja aqui, no Rio, São Paulo ou na China. Me permita acrescentar à tua certeira frase, "quem passou o 27 de janeiro de 2013 no Hospital de Caridade tem lado", que quem tem filhos, coração e humanidade, também tem.. Moro pertinho da Kiss, passo por ali quase que diariamente…Mesmo hoje, fazem dois anos, o dia está pesado, triste, vejo pessoas tristes pela rua, com os olhos no chão…A dor dos familiares é imensurável, mas tem pessoas que, mesmo não tendo filhos imolados nessa tragédia, estão tristes, cabisbaixos. Toda força e solidariedade aos pais, mães, irmãos, avós e parentes de quem se foi. E JUSTIÇA!

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