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O presente está diferente – por Atílio Alencar

Lembro bem do deus-nos-acuda que inaugurou a última década do século XX. A Guerra do Golfo explodindo no Oriente movida pela sede de petróleo, o pano caindo sobre o cenário da Guerra Fria com o colapso do socialismo real, a jovem democracia brasileira vivenciando seu primeiro trauma com o impedimento de um presidente. Era muita informação para um pré-adolescente de 13 anos que recém estava descobrindo o rock e suas promessas de libertação em plena irrupção dos anos 90. Mas a informação chegava – ainda que a impressão fosse outra – em doses assimiláveis, e tínhamos alguns meses para absorver o impacto; quem sabe porque a vida inteira recém acenava pela frente.

Passado um quarto de século desde então, nossa percepção de tempo é outra, conforme todos estamos cansados de saber. A velocidade da comunicação em rede impôs a urgência como condição existencial para quem consome – e é consumido – pela torrente de novos fatos: acontecimentos que cintilam como luzes de neon e são soterrados, momentos depois, por novos escândalos, massacres, exemplos de superação, repúblicas banhadas no sangue fratricida, ataques terroristas e o último (e efêmero) grito da moda.

Já não temos outra medida para o tempo senão a ansiedade pela novidade que nunca basta: em tempos de Internet, toda notícia nasce velha.

Claro que o fluxo da vida, o conjunto vivo que forma a matéria densa do cotidiano, deve ter permanecido inabalável. O mais provável é que tenhamos nos acostumando a tratar o tempo como um produto tão descartável quanto as futilidades vendidas em embalagens luminosas – ou ao menos, é esse o tratamento que dispensamos ao encadeamento de notícias que dá forma aparente para o tempo presente. Isso talvez explique porque eu, um adulto de 37 anos em 2015, sinta o mundo girar muito mais rapidamente do que eu, um jovem de 13 anos em 1990, sentia na época. Talvez seja esse o desacordo com o passado recente.

Seja como for, nos acostumamos a receber um ano novo com a expectativa não só de inaugurar um novo ciclo, mas também com a ansiedade de quem vasculha a time line das redes sociais em busca do chocante, do inédito, do obscenamente inaceitável ou da surpresa desconcertante. Paradoxalmente, vamos banalizando o mais aterrador dos fatos e reduzindo-o à polêmica da hora – a matéria-prima para nossos debates circulares e predestinados ao abismo da amnésia.

A pessoa lê sobre mais uma chuva de bombas em Gaza e reage com um bocejo; o massacre de crianças africanas ou o abandono de um continente não rendem mais que um tópico de tendência momentânea. Além disso: a água está acabando na maior cidade da América do Sul e tratamos o caso como se fosse um problema isolado, exclusivo dos eleitores de determinado governo em determinada região, e não da ação desastrosa e sistemática sobre o planeta. É quase como se estivéssemos apreensivos não com nosso futuro imediato – o futuro de todos nós -, mas com um capítulo  assustador de uma ficção científica irrealizável.

Estamos ficando insensíveis ao insuportável, embora corriqueiramente tratemos a polêmica mais rasa como o tema decisivo das nossas vidas.

É a forma de ler o mundo que mudou, em linhas gerais. Talvez seja apenas o sintoma mais evidente da virada do século/milênio, cujos efeitos ainda se fazem sentir sobre nós. O problema está em como lidarmos com a informação a ponto de revertê-la em ação. Não para assistirmos, passivamente, o espetáculo das tragédias anunciadas, cuspindo as migalhas de pipoca na tela do computador: mas para ocuparmos o papel de agentes diretamente responsáveis sobre o mundo que nos cerca.

Para um adolescente de 13 anos que ainda lia gibis em 1990, o mais confortável seria permanecer na lógica binária da Guerra Fria. Mas o presente não cabe mais em roteiros simplistas de heroi e vilão.

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