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Herstory: a história delas! – por Elen Biguelini

O termo herstory foi cunhado por historiadoras feministas para opor o termo em inglês HIStory. Ou seja, ao invés de relatos dele (his), são dela (hers).

Assim, as historiadoras e historiadores que optam por escrever uma historiografia baseada na existência de mulheres, em seu poder, suas forças e suas descobertas, tentam ‘recolocar’ as mulheres na História (assim, com H maiúsculo).

Quem não é da área perguntaria: mas por quê? Não estiveram sempre?

Sim e não. Como figuras presentes nos acontecimentos, sim. Como figuras cuja importância foi elencada por aqueles que escreveram a história, não.

A própria articulista ouviu, mais de uma vez: “por que estudar mulheres?” de pessoas que não mencionavam ao menos a mãe ou esposa de uma figura masculina em seus estudos. Outra vez: “ela entende apenas de mulheres!”, de um historiador que não saberia mencionar uma única mulher relacionada aos eventos que ele estudava, apesar de haver muitas que tiveram, inclusive, relevante participação.

Mesmo após mais de 40 anos da existência de uma “História das Mulheres” (termo cunhado por historiadores de finais dos anos 80 que começaram a se debater sobre as questões relacionadas ao cotidiano familiar e a vida feminina), estudada inclusive por autores de renome como Georges Duby, a área continuou a ser vista como inferior, incompleta.

Como se uma história que exclui metade da população não fosse incompleta até então.

A ironia é que a “História das mulheres” nunca excluiu aos homens. Sua própria essência não permite, visto que ao longo da história a definição de feminilidade só existe quanto em oposição ao masculino. Este sim, existe por si só. O “homem” é o ser humano. A mulher apenas o feminino de ser humano. E se as mulheres não podem ser concebidas por si só, também não podem ter uma história que exclui aquilo que as define. Seria impossível.

Ainda assim, chamam historiadoras e historiadores da área de excludentes, enquanto não conseguem mencionar sequer uma figura feminina em seus trabalhos. Até mesmo outras historiadoras mulheres que por vezes estudam o mesmo período ou temática são apagadas: ao mencionar apenas um sobrenome, excluindo assim sua identidade em uma suposta neutralidade que não existe.

É esta a razão de muitas mulheres se oporem ao sistema de referências bibliográficas que menciona apenas a inicial do primeiro nome. Por exemplo, Mary del Priori, se transforma em PRIORI, M. de. Quem desconhece o verdadeiro nome da autora, não conhece seu gênero. Assim, como a linguagem nos ensina que o masculino é o neutro, ao ser neutro, PRIORI, M. de, provavelmente seria um homem. Mas sabemos a verdade. Ela é Mary. Uma mulher que afirma sua identidade.

Assim, a história acaba por duplamente excluir a existência de mulheres.

A “herstory”, a “história das mulheres” e um terceiro conceito, mais recente, traduzido para a historiografia brasileira através da obra de Joan Scott, o “Gênero como categoria de análise histórica” permitem uma história muito mais completa. Na qual a dualidade entre homens e mulheres (a questão da existência ou não de uma dualidade de gêneros não cabe nesta discussão, visto que aqui se refere a padrões daquilo que a sociedade espera, ao longo da história, e estes padrões são excludentes e se resumem a dualidade entre feminilidade e masculinidade) é essencial para a compreensão dos acontecimentos da História: faz uma historiografia muito mais completa.

Não podem ser discutidos avanços sociais sem serem compreendidas as atuações e opiniões de AMBOS, homens e mulheres. Não se pode discutir poder político sem se compreender que existe poder por trás dos homens políticos: o poder das rainhas, das damas da corte, das irmãs e mães de reis, etc. Não podem ser discutidas guerras sem serem compreendidos os impactos que estes acontecimentos causavam nas cidades, nos lares, nas vidas de esposas e filhas.

As mulheres sempre estiveram presentes na história, mas não na HISTÓRIA. A Herstory nada mais é do que a lembrança disso.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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