Era da intolerância – por Antonio Candido Ribeiro
#
Tenho dito, talvez até com exagerada frequência, que vivemos a “era da intolerância”. Parece que ninguém mais se dispõe a conversar, ninguém tem tempo e paciência para dialogar, para discutir de forma civilizada as diferenças, das quais resultam as contrariedades e os conflitos. E as contrariedades e os conflitos ficam longe da mesa de discussões, o que se quer, em boa parte da vezes, é judicializá-los, como se o Judiciário fosse uma espécie de deus mítico capaz de resolver todas as contendas, pouco importando a dimensão delas, seu valor econômico ou a substância ético-moral das mesmas.
E aí, o Judiciário, que é composto por seres humanos e padece da falta de recursos adequados para a solução rápida dos infindáveis conflitos que lhe são submetidos, é atacado sem qualquer cerimônia e rotulado como um Poder inacessível e arrogante. Quando não, simplesmente, execrado e taxado de venal.
Quando obtemos uma decisão favorável, incensamos o Judiciário. Quando não, no mínimo o acusamos de incapaz de realizar “a justiça”. Aliás, Justiça, que, em nossa maneira muito particular de ver as coisas, do ponto de vista da prestação jurisdicional do Estado, hoje, é aquilo que nos é favorável, que atende nossos reclamos e demandas. Não sendo assim, é injustiça.
De outra parte, em nossa vida cotidiana, também não temos mais paciência para o enfrentamento de nenhum tipo de contrariedade. Se não gosto, se não concordo, meto o sarrafo, xingo, esculhambo (minhas ideias e meus pontos de vista estão sempre certos, e os outros, que os contrariem, sempre errados). E as redes sociais, pródigas nesse tipo de pugilato, se transformam em ringues (octógonos?) descontrolados.
A Dialética – instrumento de evolução da sociedade, a partir da qual processos democráticos se firmam e afirmam, inclusive pela formação da vontade da maioria –, já era! A Dalógica? Morreu há muito! A “alteridade”, isto é, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro nas relações interpessoais (alteridade que é sempre objeto de preocupação do meu amigo Márcio de Souza Bernardes) não passa de um sonho, eventualmente, aqui e ali, tornado real por meia dúzia de sonhadores.
Por isso, amigos – e nem vou falar do Rio Grande amado, salve, salve!, onde a grenalização e a solução dos conflitos na ponta das adagas se estabeleceu muito antes de Grêmio e Inter existirem –, é que está ficando cada vez mais complicado viver e estabelecer laços de fraternidade, ignorando os rótulos que são pespegados nas almas das pessoas. Eu, por exemplo, sei que posso, sem contaminar meus pontos de vista político-ideológicos e sem mudar minha visão de mundo, me relacionar civilizadamente com azuis e vermelhos, com maragatos e chimangos ou com “pretalhas” e “coxinhas”.
E, por favor, não pensem que me julgo melhor que alguém. Apenas acho um desperdício jogar no lixo todo o longo processo civilizatório a duras penas aprendido.
__________________________________________________________
NOTA DO EDITOR: a imagem que você vê aqui é uma reprodução da internet.
O problema começa antes. Não são poucas as pessoas (e isto tem muito a ver com ignorância)que dizem "vou te processar" como ameaça ou quase como um xingamento. E outras pessoas consideram a afirmação como tal e reagem de acordo. Muitos pensam que entrarão numa demanda judicial e irão ganhar. Brasileiro não é muito afeito a perder. Se perdem, só pode ter sacanagem. O judiciário é culpado. Ou o advogado. Qual dos dois tem a última palavra? E o patrão injustamente demandado na justiça do trabalho? Pagou todos os direitos e leva um processo nas costas. Peão vai e pede 50 contos. Juiz querendo acordo na primeira audiência começa a pressionar para fechar por 12 contos. Soma-se isto ao fato de nem tudo poder ser resolvido com conversa e um judiciário com problemas. O que vem depois, o descontentamento, faz parte do jogo. É humano. Sujeito não vai levar na cabeça e pensar: perdi, mas está tudo bem, as instituições estão funcionando, era uma matéria difícil, estou contente que controvérsia foi solucionada. Quem pensa assim são os juristas, faz parte da ideologia da raça.
Idealistas há de todos os tipos, desde os que acham que se o mundo não está como eles querem só pode estar errado até os que se empenham em provar que uma ideologia furada está correta mesmo que tenha surgido há 200 anos e o mundo tenha mudado. Bueno, como as idéias da aldeia estão meio defasadas, é bom citar que existe um negócio chamado "número de Dunbar". Trata-se do número máximo de relações sociais estáveis que um indivíduo pode ter. São amigos, colegas de trabalho e parentes. Vem da psicologia evolutiva e antropologia. Daí sai a tribo, a hierarquia, etc. Para o ser humano o número fica entre 150 e 230. O desaforo nas redes fica para quem fora do número. Para quem acha que quando um não quer, dois não brigam, sempre existe a possibilidade de um bater e outro apanhar.
Grenalização é coisa da RBS. Na revolução farroupilha, fora os que não tinham nada com a coisa, no lado farrapo haviam grandes controvérsias. Nas federalistas também havia gente (como em quase qualquer guerra) que só queria tocar a vida. Em ambos os casos houveram muitos bandidos que se aproveitaram da situação e muitos acertos de contas "pessoais". Este zoroastrismo é bastante artificial.