Chato de galochas – por Antonio Candido Ribeiro
Sei que já estou me tornando um chato de galochas (há quem saiba o que são /eram galochas e, certamente, o que significa a expressão usada acima), tamanha a insistência – e o tempo em que teimo nisso – da minha bronca com o aspecto que me parece mais nefasto na política econômica brasileira. Refiro-me à questão da formação do famoso superávit primário, para pagamento de nossa interminável dívida interna, que consome, anualmente, quase cinquenta por cento de nosso orçamento.
Desse hoje badalado orçamento em razão dos cortes, podas, aparas a que está sendo submetido na quase desesperada tentativa governamental de controlar a crise econômica que, um dia, foi apenas uma “marolinha”. Desse mesmo orçamento, cujo contingenciamento – e isso não é novo! – impede o cumprimento de metas e ações necessárias ao desenvolvimento social e a que haja investimentos em infraestrutura que nos possam tirar do enorme buraco em que estamos metidos em relação a estradas, a portos e aeroportos, a energia elétrica, a saneamento básico, a hospitais, etc…
A dívida pública federal (interna e externa, está última quase insignificante) chegou, conforme informações divulgadas ontem, dia 25 de maio, pela Secretaria do Tesouro Nacional, à fantástica soma de R$ 2,45 trilhões. O Orçamento Fiscal da União, para este ano, não nos esqueçamos, é da ordem de 2,1 trilhões de reais. A este orçamento fiscal somam-se o Orçamento da Seguridade Social (cerca de R$ 785 bilhões) e o Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais (coisa de 106 bilhões de reais).
A previsão orçamentária é que, este ano, com o refinanciamento da dívida pública (rolagem da dívida, pela emissão de novos títulos para substituir outros anteriormente emitidos), mais juros e amortizações, gastemos quase 1,4 trilhão de reais.
Dos números expostos, pode-se, sem necessidade de grandes voos matemáticos ou estatísticos, verificar o peso da divida pública na vida brasileira e o quanto poderíamos crescer se invertêssemos a lógica do capital (normalmente o especulativo) que impõe ao país essa enorme sangria de recursos que poderiam e deveriam ser investidos em áreas prioritárias como saúde, educação, segurança pública, inclusão social, mobilidade urbana, e infraestrutura.
Por isso, minha chatice contumaz, minha renitente ranhetice e minha indignação, que de nada servem, sei, senão para me tornar, aos olhos dos leitores, ouvintes e telespectadores que me acompanham nas mídias onde atuo, um chato de galochas. Paciência, é minha sina, por isso, continuarei, quixotescamente, brandindo minha indignação.
Muita calma nesta hora. A dívida pública federal externa é de 116 bilhões de reais, nenhum troco. A dívida externa total (particulares, financiamentos diversos de estados e municípios, Banco Mundial, etc.) está perto de 350 bilhões de dólares. É riqueza que tem que sair da economia brasileira e tem amortizações também. Governo federal é fiador de uma parte, por isto financiamentos têm que ser aprovados em BSB.
Especulativo todo capital é. Problema é que, aqui no Brasil, uns luminares pedem emprestado, fixam os juros (é o Banco Central que determina a Selic; um "neoliberal" não daria independencia ao órgão, extinguiria; o mercado fixaria os juros) e culpam os credores. Pior, gastam mal o dinheiro. Têm teorias economicas "heterodoxas". Tipo: vamos emprestar dinheiro para os amigos e criar os "campeões nacionais". Empresários pegam a grana pagando TJLP (que é uma taxa de longo prazo revista a cada três meses) de 6% e usam o próprio dinheiro para comprar títulos do governo (remunerando uns 12%). Milagres da alavancagem. "Um pouco de inflação é bom para alavancar o crescimento": maravilha, sobe inflação, tem que subir os juros porque a taxa real cai e corre-se o risco do dinheiro ir para outro lugar.
De onde sai a dívida? Deficit, ou seja, governo gasta mais do que arrecada. 39 ministérios não é fácil. País andou criando dívida para financiar consumo (carros, geladeiras, Magazines, etc.; não foi só renúncia fiscal). BNDES, BB e CEF andaram recebendo 500 bilhões nos últimos anos, parte do dinheiro foi para isto.
BNDES é o grande instrumento de intervenção do Estado na economia. Coisa dos desenvolvimentistas da Unicamp e USP (Maria da Conceição no RJ e mais alguns da IFRJ). Gente que coloca dinheiro público subsidiado em atividades cujo risco deveria ser só da iniciativa privada. O Estado indutor do desenvolvimento. Aí quebra frigorífico, quebra não sei o quê e vai dinheiro fora. Petrobrás está com problema de caixa? Sem problema, emite títulos da dívida e joga a grana no BNDES. Privatizações? BNDES. Efeagá também fez isto com a telefonia. Pimentel, governador de MG, na época que era ministro falou em financiar compras de empresas portuguesas por empresas brasileiras. Obras no exterior de construtoras tupiniquins? Cuba, Argentina, Equador… BNDES. Grana de impostos para "fortalecer companhias nacionais". Tempos bons acabaram, vamos pega grana dos chineses.
Se o sujeito pega grana emprestado de um agiota e gasta tudo na balada, a culpa não é do agiota. Simples. A sacanagem é que este monte de subsídios para empresários deveria ir para educação, saúde, etc. O Estado poderia ser do mesmo tamanho, só com formato diferente. Hoje é uma pirâmide de cabeça para baixo. Técnicos deveriam ocupar todos os cargos de segundo escalão para baixo. Não adianta falar que o sujeito só tem que ter capacidade de gestão e nomear um burocrata ou um político que tem um monte de cargos no currículo e em todos eles fez nada ou bobagens.
Moratório ou calote não funcionam. A lógica que precisa ser mudada é outra.