Direito, realidade e ficção (outra vez) – por Vitor Hugo do Amaral Ferreira
Já passei por aqui para dizer que o direito reflete os anseios da sociedade. Afirmar isso é fato incontroverso. Da mesma forma, no campo da arte, afirmar que a ficção imita a realidade, ou vice-versa, é questão consumada. Dos inventos de roteiristas, encenação de artistas, ou ainda do dia a dia de sujeitos normais, assim como eu, você. Disso, o direito toma conta, das nossas práticas, condutas, das nossas relações.
Revirando meus arquivos, reencontrei artigos que tratam do direito e da ficção em quatro filmes – o Auto da Compadecida, Filadélfia, Olga, e O cliente – lá também estava esse velho texto sobre eles.
O nacional Auto da Compadecida narra história de João Grilo e Chicó, dois nordestinos que vivem de trapaças e pequenos golpes. Obra de Ariano Suassuna, tem em pano de fundo uma crítica às desigualdades sociais. Em síntese, usa-se do estereótipo do povo trabalhador, pobre e esperto; a mulher de corpo farto e sedutora; a ganância do clero; e o mando autoritário dos coronéis.
Neste contexto, no filme, o bíblico julgamento final é uma sátira à justiça, em que se analisa os valores, as ações e a moral dos personagens. Entre as passagens da obra há a caricatura do fascínio dos populares pelas falas em latim, dos códigos memorizados, artigos e parágrafos decorados. Engraçado é reconhecer aqui diversos populares personagens jurídicos (reais) que não passam de artistas a encenar.
Diz o texto que comento nestas linhas, que a obra O auto da compadecida retrata a justiça como uma alegoria. Não posso deixar de concordar, com todo respeito que tenho pelo direito, que deixou de ser raro o espetáculo dos julgamentos, das grandes causas. O ativismo midiático faz de juízes, advogados, promotores e demais agentes do direito artistas sem enredo, sem direção.
O filme cria a imagem do Cristo Negro, imagem de combate ao preconceito, sujeito sereno, isento, em paz; João Grilo, o acusado, representa os pobres, sujeito de fé, defensor da justiça. Ao diabo cumpri a missão de punir, acusar, enquanto Nossa Senhora arca com a defesa.
Da relação possível entre o direito e a ficção não tenho dúvidas que a arte pode contar nossas histórias; no mesmo sentido, lamento que o direito, às vezes, possa se rodear de pouco talento e deixe a justiça morrer ao fim do espetáculo.
Vitor Hugo do Amaral Ferreira
facebook/vitorhugoaf
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