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Mau exemplo educa – por Liliana de Oliveira

É um costume da nossa justiça condenar alguns para exemplo dos outros. Condená-los unicamente porque erraram seria inepto, como diz Platão. O que está feito não pôde ser desfeito; condenam-se, porém, a fim de não tornarem a errar ou a fim de que os outros atentem para o castigo. Não se corrige quem se enforca, corrigem-se os outros, por meio dele. Eu faço a mesma coisa. Os meus erros já são quase naturais e incorrigíveis; mas, quanto os homens exemplares são úteis ao público fazendo-se imitar, eu o serei talvez fazendo-me refugar.

Assim, Montaigne começa seu Ensaio intitulado Da arte de conversar. Sigo lendo. Lendo e pensando às avessas junto com Montaigne. Contrariando uma grande maioria que pensa que o ensino se dá pelo exemplo, podemos pensar o ensino como aquele que se dá pela recusa. Muitas vezes não sabemos o que queremos ser, mas sabemos aquilo que pretendemos contrariar e aquilo que não queremos ser.

A conduta dos outros nos educa cotidianamente. Um mau professor educa. Uma mãe sem talento educa. Um romance que fracassa educa. Ingratidão educa. Intolerância educa. Grosseria educa.

Quando nos deparamos com um mau professor, pensamos naquilo que não queremos repetir, pois sabemos a repercussão desses erros numa aula. Quando temos uma mãe sem talento e somos herdeiros da sua inaptidão, fugimos daquele modelo de maternidade. Quando um romance fracassa, aprendemos muito sobre o outro e sobre nós mesmos. Intolerância, ingratidão, grosseria também educam, pois sempre que nos deparamos com tais condutas pensamos naquilo que repudiamos. Nos damos conta por contraste daquilo que pretendemos ser. Por desacordo vamos nos constituindo. Por desacordo vamos resistindo.

Se pensarmos seriamente sobre aquilo que nos educa, talvez nos demos conta de que os bons exemplos são raros ou quase nada e que os maus exemplos são amontoados. Jamais esquecemos o erro da prova. Jamais esquecemos os deslizes alheios. Jamais esquecemos aqueles que nos foram ingratos. Jamais esquecemos palavras de ofensas. Jamais esquecemos aquilo que fizemos ou dissemos e que não poderíamos ter feito ou dito.

Sirvo mais um cálice de vinho. Sigo pensando nas recusas que fui fazendo ao longo da vida que me fizeram ser quem eu sou. Sigo lendo Montaigne que nos diz:

Não sei se haverá alguém como eu que mais se eduque contrariando os modelos do que os imitando, e deles fugindo mais do que os seguindo. A essa espécie de disciplina referia-se Catão, quando disse que os sensatos aprendem mais com os loucos do que os loucos com os sensatos. E Pausânias conta que um velho tocador de lira tinha por hábito obrigar seus discípulos a ouvirem um mau músico que morava em frente, a fim de que aprendessem a odiar suas desafinações e os compassos errados. O horror à crueldade incita-me mais à clemência do que o faria um modelo de generosidade. Um bom cavaleiro não endireita a minha posição tanto como o faz um procurador ou um veneziano. E um vício de linguagem, mais do que falar correto, emenda o meu modo de exprimir. Todos os dias a tola conduta dos outros me adverte e aconselha. O que magoa impressiona e desperta mais do que o que agrada. O tempo em que vivemos só nos corrige às avessas, mais por desacordo do que por acordo e mais por divergência do que por semelhança. Aprendo mal com os bons exemplos, valho-me dos maus, cuja lição é acessível. Esforcei-me por me tornar tão agradável quanto os outros eram irritantes, tão firme quanto eram moles, tão brando quanto eram duros, tão bom quanto eram maus. Mas a tarefa é irrealizável. 

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