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O tempo não para – por Liliana de Oliveira

Tempos estranhos os nossos. Um dia imaginamos que com o desenvolvimento da tecnologia teríamos mais conforto e, consequentemente, mais tempo para nós mesmos. Não dispenderíamos tanto tempo cozinhando lentamente a comida num fogão à lenha, pois teríamos forno micro-ondas que nos permitiria preparar nossa comida em alguns minutos.

O preparo da comida era antecedido por um ritual, por exemplo o de escolher o feijão à noite na mesa da cozinha e o deixar de molho de um dia para o outro. Fazer o feijão exigia um tempo de cuidado, um tempo de escolha de grãos, um tempo de repouso e outro de cozimento. Com o leite se passava o mesmo, exigia uma certa paciência, um certo tempo de fervura.

Os tempos mudaram e o que vemos é exatamente o contrário. Cada vez trabalhamos mais, cada vez temos menos tempo, cada vez queremos comprar mais alimentos prontos e congelados. Nossas cozinhas diminuíram de tamanho, nossos encontros não se dão mais nas mesas e nas cozinhas. O tempo não para.

Não sinto falta dos velhos tempos. Não sinto falta dos tempos em que as mulheres ficavam em casa preparando a comida, enquanto os homens ganhavam o mundo. Acredito sempre que o tempo presente é o melhor. Mas sinto falta do tempo que tínhamos abandonados a nós mesmos. Sinto falta de ter tempo para esperar o leite ferver, o feijão cozinhar, a polenta aprontar.  Sinto falta da paciência que acompanhava cada gesto. Por vezes é preciso silenciar, ver a chuva cair, a comida aprontar, os filhos crescer. É preciso ter tempo para ler, contemplar o mundo, conversar e se encontrar.

Talvez sejamos como a personagem Ana, de Clarice Lispector, do Conto Amor, que tomava cuidado com a hora perigosa da tarde, “quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções”. Ana tinha medo da hora em que não tendo que se preocupar com os filhos e marido estava entregue a si mesma e as suas perturbações. Talvez fujamos de nós mesmos e daquilo que o silenciar pode nos revelar.

Estamos imersos num mundo tecnológico que mudou nossa percepção do tempo. Ficamos ansiosos se esperamos alguns segundos e não conseguimos acessar a um site ou se não conseguimos nos conectar. Conectados e ansiosos, vivemos como se não fosse possível nos desconectar das tecnologias e nos conectar com nós mesmos. Acredito que a falta de conexão talvez nos permita rever nosso modo de vida. Talvez busquemos outras formas de ver e viver que nos permitam aumentar nossas cozinhas, trabalhar menos, ler mais. Talvez busquemos outras formas de vida que nos permitam verdadeiramente nos conectar com os outros e com nós mesmos.

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