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Vidas não são armários ou gavetas – por Liliana de Oliveira

Férias, viagem programada, passaportes na mão, dinheiro trocado, malas feitas. Tudo pronto!  Tudo programado. Passeios comprados, roteiro minuciosamente programado. Tudo para que possamos ter uma viagem sem contratempos e férias inesquecíveis. Alimentamos a ilusão de que podemos controlar o tempo, as férias, a vida. Eis que surgem os imprevistos e a vida se revela na sua imprevisibilidade.

Um pequeno contratempo, como furar o pneu ou um grande congestionamento, podem mudar completamente os planos detalhadamente elaborados. Mudar os planos, reprogramar a viagem exigem um tanto de nós porque sempre achamos que temos o pleno controle sobre nossas ações e nossas vidas. Por isso, lidamos muito mal quando a vida nos surpreende com pequenos acidentes ou imprevistos.  Isso exige que reconheçamos nossa incapacidade de controlar tudo.

Mas, afinal de onde isso vem?  Tales Ab’Saber no seu livro Ensaios e Fragmentos se interroga sobre o esforço humano em organizar o caos. Segundo ele,desorganizamos nossa cama, nossa casa, nossa vida com tanta facilidade, por que gastamos tanta energia tentando organizar? Por que estudamos o destino que queremos conhecer se vamos conhecê-lo? Por que compramos ingressos de espetáculos antecipadamente sem nem mesmo saber se vamos estar vivos para vê-los? Por que reservamos restaurantes antes mesmo de termos fome? Por que reservamos hotel antes mesmo de termos sono? Por quê?  Porque queremos controlar o incontrolável. Queremos estar no controle. Queremos organizar nossas vidas como organizamos nossas gavetas ou armários.

Organizar a mala nos livra de ter que comprar itens essenciais. Organizar nossos documentos e passaportes nos livra de não podermos embarcar. Organizar nossa saída de casa com certa antecedência nos livra de perdermos o voo.  Sabemos que organizar minimamente nossa viagem, nos livra de uma série de contratempos. Entretanto, não nos livra de tudo. A vida transborda. A vida é o excesso. A vida surpreende. A vida é como um grande amor que como dizia Ângela Rô Rô, não chega na hora marcada assim como as canções, as paixões e as palavras. Amo organizar uma viagem, amo viajar, mas mais do que isso quero sempre estar aberta ao imprevisto, ao que escapa, ao acaso e espero que sempre as melhores coisas e amores me cheguem assim bem de repente.

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3 Comentários

  1. Olá,Brando!
    Concordo que acreditamos ter mais controle sobre a vida do que realmente temos. Queremos crer que estamos no controle. Isso de alguma forma nos tranquiliza. Como disse no texto, um mínimo de organização é necessária para que possamos não ter muitos contratempos como chegar e não ter ingressos para o espetáculo ou não ter consulta com o médico. Minha questão ultrapassa isso. Minha questão é: por que desacreditamos no acaso? Por que agimos como se fossemos autores da própria vida sem nenhuma interferência de outras pessoas ou acidentes? Compreender que a vida nos ultrapassa pode ser difícil, mas ao mesmo tempo nos liberta.
    Quanto a sua crítica ao autor que admite que não podemos controlar tudo, mas ao mesmo tempo é de esquerda e pretende projetar o mundo. Discordo. Alguém não é de esquerda porque "projeta" o mundo, até mesmo porque todos nós de alguma forma o projetamos. O que caracteriza alguém ser de esquerda seria sua preocupação com as minorias e defesas de políticas para todos aqueles que se encontram à margem. O que caracteriza alguém de esquerda seria sua capacidade de reconhecer que o Estado tem o compromisso com as minorias. O que caracteriza alguém de esquerda é a defesa de um projeto coletivo (ético] de sociedade. Sigamos problematizando!

  2. Assisti entrevista do psicanalista outro dia, programa do Mário Sérgio Conti. Formação em comunicação e psicologia. Só falou em política e economia.
    Pessoas tendem a achar que o mundo é mais previsível do que é. Simples. Compramos ingressos antecipados pelo mesmo motivo que marcamos consulta no médico. É uma aceitação do controle exercido pelo médico, simplesmente não posso aparecer de repente no consultório e esperar ser atendido, a menos que seja emergência. Também não controlo o acesso a casa de espetáculos.
    Voltando ao autor, no mínimo intrigante é a alusão ao desejo de controle por alguém de esquerda, alguém que quer "projetar" o mundo.

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