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Os inocentes e as sombras – por Bianca Zasso

biancaTramas que abordam a chegada de forasteiros misteriosos e galantes em cidades interioranas estão presentes nos mais diversos gêneros. A questão do desconhecido e de seu poder de sedução sempre renderam ao cinema boas histórias. Quem não lembra de Clint Eastwood chegando em seu cavalo em O estranho sem nome? Lembra muito a chegada de Anthony Steffen no fantasmagórico spaghetti western Django – O bastardo, que muitos dizem ter servido de inspiração para a produção americana.

Dúvidas à parte, o grande homem suspeito do cinema americano chegou às telas pelas mãos de um grande ator que, para a tristeza do público, nunca mais iria se aventurar atrás das câmeras. A única empreitada do inglês Charles Laughton como diretor foi intensa e costuma ser tão lembrada quanto suas interpretações em filmes como Testemunha de acusação e O grande motim.

O Mensageiro do Diabo, lançado em 1955, nasceu romance e virou filme graças as suas passagens cinematográficas. A história do falso pastor que transforma seu ódio por mulheres em assassinatos ganhou um roteiro, assinado por James Agee, que consegue ser superior à obra que lhe deu origem. Robert Mitchum tem a melhor atuação de sua carreira dentro de um personagem que, em mãos erradas, poderia render uma espécie de Framboesa de Ouro daquela década. Isso porque Harry Powell tem múltiplas camadas e todas elas são cobertas por um estilo teatral de agir.

Os gestos exagerados e a colocação da voz de Mitchum podem parecer caricatas para quem assiste uma cena ou outra do filme, mas que para os espectadores da obra completa tem significado. Powell finge ser um homem que leva a palavra de Deus e que quer tornar os locais por onde passa refúgios de paz e decência. Para as senhoras carolas do interior de Ohio ele é um mestre a ser seguido. Mas o pequeno John, calejado pela prisão do pai, percebe que aquela criatura de discurso imponente e que carrega tatuado nos dedos das mãos as palavras amor e ódio não é quem parece ser.

Não bastasse a boa base, O Mensageiro do Diabo tem em sua direção de arte e fotografia elementos que vão além do adorno. Com uma clara inspiração no movimento do Expressionismo Alemão, a atmosfera criada transforma o protagonista em um monstro dos nossos tempos, que não precisa mudar de forma para assombrar. Talvez por esse distanciamento das criaturas que habitam o universo infantil, Powell torne-se ainda mais assustador.

A inocência de John e de sua irmã Pearl é o lado frágil, que parece imbatível para a força e a navalha do vilão. A balança só se movimenta com a chegada de Rachel Cooper, dona de uma pequena propriedade que sustenta três meninas órfãs e acaba acolhendo as duas crianças. Interpretada com doçura e elegância pela veterana Lillian Gish, ela traz alento para os irmãos e também para o público. É a gota de esperança.

A presença de uma dama do cinema mudo no elenco não é apenas mais uma pitada de talento em um elenco incrível. Laughton foi buscar nas produções de um dos precursores do cinema, o americano D.W. Griffith, inspiração para a produção de O Mensageiro do Diabo.

Gish era presença constantes nestes filmes e fica impossível não notar o “dedinho” griffithiano nas cenas externas, bem como na atmosfera onírica da viagem de barco de John e Pearl ao longo do rio. Mesmo com a fama de inseguro, Laughton concluiu seu trabalho no tempo certo e elogiado pela equipe. Onde quer que ele esteja, vamos torcer para que tenha percebido que seu talento o coloca no mesmo patamar de Griffith: ambos fizeram filmes que não envelhecem.

O mensageiro do diabo (The night of the Hunter)

Ano: 1955

Direção: Charles Laughton

Disponível em DVD pela Versátil Home Vídeo

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