Violência na escola – por Orlando Fonseca

Quem frequentou a escola primária, nos anos sessenta, do século passado, deve se lembrar da temida expressão: “te pego lá fora”. Isso significava ameaça de resolução, através das vias de fato, de alguma pendenga entre colegas, no pátio ou na sala de aula. Lá fora significava a rua, ambiente do vale tudo na época. Ainda hoje é, mas naqueles anos ainda eram territórios bem separados por um certo temor respeitoso ao ambiente escolar.

Por isso, a maioria de nós, com idade suficiente para ter vivido aquele tempo e estar maduro o suficiente para supor já ter visto de tudo, está espantada com o que se vê hoje nas manchetes do noticiário: aumento da violência nas escolas. Agressões aos professores, ataques gratuitos a crianças inocentes na pracinha, invasões de adolescentes armados. Ou seja, o “lá fora” invadiu a escola, e agora o vale tudo, o salve-se quem puder apavora a todos. Para onde vamos correr? Aonde vamos chegar?  

Vivemos, nos últimos anos, a proliferação banalizadora de uma cultura do ódio. As redes sociais deram amplitude não apenas ao lugar comum, mas também à soberba da ignorância. Isso implica não ser necessário o uso da inteligência e da racionalidade para resolver questões, simples questionamentos ou problemas pessoais. A sacralidade de certos ambientes se perdeu, seja a escola, a igreja, ou até mesmo o recinto do lar.

No vale tudo deste ringue virtual, o uso do baixo calão, do ataque vil, da baixaria abriu caminho para que, no mundo real, a violência ganhasse o apoio dos punhos, dos pontapés ou de armas (brancas ou quentes). Quando isso tudo foi chegando ao terreno e ao imaginário infantil e adolescente, através de mídias e os meios tik-tóxicos, chegamos ao “deus nos acuda” a que estamos assistindo estarrecidos.

Pode-se perceber uma grave crise na escola, da mesma forma que na família, e ela tem uma mesma motivação: a crise da autoridade. Desde que o mundo é mundo, a verticalidade da ordem colocava as coisas nos seus lugares, porque havia o respeito ao mais antigo, ao mais forte (seja em força física, seja em conhecimento), às regras.

É claro que muitas mudanças aconteceram na jornada rumo à evolução através da subversão desta ordem, mas está nesta história também a emergência do caos, em muitas situações. Desse modo, o que vemos na atualidade, pelo menos no momento, é que a crise de autoridade não está fazendo avanços na ciência, na vida social, no progresso tecnológico. Pelo contrário, o uso dos mecanismos de busca da internet, o abuso das redes sociais para a propagação de boatos e inverdades só têm contribuído para o emburrecimento geral, o que contribui para a decadência.    

A solução não é tão simples, e a segurança armada nas escolas não deve ser a única solução. Colocar mais armas neste ambiente só vai agravar os abismos que hoje existem. Nos casos em que vemos, como nos Estados Unidos, jovens fortemente equipados com pistolas, rifles, granadas invadindo escolas, como se estivesse indo para a guerra, a presença de outro elemento armado só alimenta a tensão e a vontade de promover carnificina.

Primeiro, ao Poder Público cabe tratar o acesso às armas com mais responsabilidade; segundo, e não menos importante, eliminar ou diminuir resquícios de tensão com a autoridade, através do diálogo. Educação é isso, promover o convívio social através do conhecimento e da ética. A deseducação promovida pelas redes sociais deve ser atacada com rigor, pela legislação, responsabilizando-as pela difusão de conceitos errôneos nos conteúdos que seus usuários divulgam. 

Não é uma tarefa fácil, porque a cultura – em todas as sociedades – se desenvolve pelas disputas hegemônicas de valores simbólicos. É preciso dar promoção ao resgate de certos valores esquecidos; é urgente restabelecer o significado positivo de certos ambientes, com o da escola – para que se distinga com exatidão o “dentro” e o “lá fora”. Desse modo, a criança e o jovem sejam educados para entender o devido lugar onde se produz o humano e o desumano. Até que aprendam o essencial: vivemos em um mesmo planeta e cuidar de nossa casa e dos que nela vivem é saber que não há um “lá fora”, onde se pudesse abolir o amor e subverter a paz.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.