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Nasci velha – por Alice Elaine Teixeira de Oliveira

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Não que eu acredite em reencarnação, ou vidas passadas, ou coisas assim, muito pelo contrário, sou uma inveterada seguidora do Livro Sagrado dos Cristãos e até hoje, durante meus estudos não encontrei quaisquer razões para crer em outra esperança de vida após a morte do que a ressurreição. Porém, nasci velha…

Nasci num tempo de valores diferentes dos que eu esperava ter na minha idade. Nasci num tempo no qual as coisas duravam e deviam ser conservadas porque eram custosas. Nasci num mundo com mudanças rápidas demais para minha alma conservacionista, e não me entendam mal, não estou dizendo que sou retrógrada e que não assimilo novas informações, apenas que não concordo com muitas delas.

Quando criança, eu era uma criança velha, tinha meus anseios de criança, iguais a todas elas. Era uma moleca. Subia em árvores, andava de patins, pulava amarelinha e corda, fazia bolhas de sabão e brincadeiras de roda, apostava corrida, saltava os muros, jogava bolita, andava de bicicleta. Mas, era uma criança velha.

Eu nunca apertei uma campainha e saí correndo. Não buscava a bola no pátio do vizinho sem pedir a entrada. Jamais estiquei uma fita magnética, aquelas das antigas fitas K-7, numa rua para ver as pessoas esbarrarem nela. Não esvaziei os pneus dos carros com pedacinhos de gravetos. Nem sequer atirei alguma pedra nas vidraças. Não matei passarinho. Tampouco roubei bala ou chocolates do bar ou mercado… Eu era velha.

Na minha adolescência eu fui uma adolescente velha. Nunca fugi do meu quarto à noite pela janela. Jamais namorei escondido. Não colei na escola. Nem roubei dinheiro dos meus pais. Não fui a festas escondida. Não tinha segredos secretos e incontáveis. Também não enganei corações, não que eu saiba. Não era rebelde… Eu era velha.

Eu era velha até mesmo quando poderia parecer que era boba. Me fazia de idiota para não entender um elogio mais atrevido. Não entendia indiretas maliciosas por querer parecer abobada. Tinha atitudes infantis e até grosseiras para causar o desinteresse dos possíveis pretendentes. Tornava-me a melhor amiga daqueles meninos a quem eu queria bem, tática de distância eficaz, eles me contavam sobre as suas paixões, sabe a tal da friendzone. Pois é, eu sempre fui velha.

Com o passar do tempo notei que eu estava me tornando mais velha do que nunca, estava ficando expert no assunto. Eu desenvolvia cada vez mais a minha capacidade de ser velha na medida em que o mundo avançava com seu padrão de moda, músicas e moral, entre outros.

Notei que gostava das saias longas, vestidos estruturados, chapéus, boinas, botinhas e salto alto. Escutava Elvis, Johnny Cash, Rita Pavone, Gigliola Cinquetti, Creedence, Johnny Rivers, Beatles, Cat Stevens. Queria namorar apenas quem eu amasse e queria casar com meu amor, me guardaria para ele… E eu continuei velha.

Casei de branco, vestido de baile desenhado por mim, com corpete bordado por mim. Eu queria uma modernidade, queria ter feito um vestido de prenda com broderi, minha mãe não deixou. Dancei uma valsa gauchesca, ninguém me impediu. Tive filhos e escolhi os seus nomes. Criei-os com os meus valores.  Minha velhice me serviu bem.

Mas, não se engane, nunca fui perfeita. Fui uma criança levada, fugi de minha mãe no centro de Santa Maria aos 4 anos, muito ativa, as vezes preguiçosa e birrenta, intrometia-me na conversa dos adultos e ralava meus joelhos como um menino, além de ser cúmplice nas artes dos amigos. Na adolescência discuti com minha mãe diversas vezes, fiz chantagem barata pra ganhar uma bicicleta, virei a noite acordada em pescarias ao luar, não arrumei meu quarto e tinha um nó permanente no cabelo longo e comia chocolate escondida dos meus irmãos. Já discuti com meu marido, disse coisas que me arrependo aos meus filhos, já bati e chorei, perdi compromissos e me isolei dos amigos e de gente chata, fui indelicada e grossa. Enfim, não sou perfeita e sim, algumas vezes, rabugenta, desafiadora e velha.

Hoje, na iminência de começar a vida, pois dizem que ela começa aos 40, não me importo mais em ser velha. Eu nasci velha não porque sentia-me velha ou com rugas. Eu nasci velha por ser um sinônimo de prudência, de sabedoria, de cuidado e empatia. Nasci velha porque isso significava ter o bom gosto que só a experiência poderia me dar. Ser velho era uma qualidade quando eu nasci. Eu quero ser velha pra sempre se for assim.

E quando meu corpo for tão velho quanto deveria ser, então vou olhar meus cabelos brancos com o mesmo olhar no qual via meus cachinhos dourados na infância… Com ternura, satisfação e certeza de que sou uma velha que soube usufruir da sua velhice prematura.

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