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Bastidores da cobertura de um esquartejamento – por Luiz Roese

Em março de 2005, um caso chocou Santa Maria: o esquartejamento de uma mulher que havia recém dado à luz uma menina no Hospital Universitário (Husm). A Polícia Civil agiu rápido: prendeu o casal responsável e achou os pedaços do corpo da vítima às margens da Faixa Velha.

Antes de contar a situação atual de Marilei Barragan da Silva, condenada a 23 anos de prisão por homicídio e ocultação de cadáver, vou relatar algumas coincidências que me conectaram mais ao caso.

Naquele março de 2005, eu estava deixando a função de repórter do Diário de Santa Maria para me tornar editor de Geral, Polícia e Região. Mas demorou para abandonar o hábito de ir para a rua atrás das notícias. Aliás, nunca consegui deixar esse meu lado de repórter.

Na época, uma das rotinas que não abandonei foi a de ir até o Centro de Operações da Polícia Civil (atual Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento) para ver as ocorrências nos finais de semana em que estava trabalhando. No início da tarde de domingo, dia 6 de março de 2005, antes de ir para a redação, não foi diferente.

Estava no CO quando um plantonista me chamou para escutar um caso curioso: Jorge Ledir Cazuza, marido de Glória Nunes dos Santos, estava registrando o desaparecimento da mulher depois de ela ganhar nenê no Husm. Conversei com o seu Jorge e saí com os primeiros detalhes da história.

Na redação, com a ajuda da colega Tatiana Py Dutra, entramos em contato com o Husm. Só que aí fomos induzidos ao erro: alguém tinha ligado para o hospital para dizer que o seu Jorge batia na mulher. Com essa falsa versão, que depois soube-se ser obra da Marilei, nada foi publicado no jornal.

A essa altura, Glória já estava morta. Conforme a investigação da Polícia Civil, ela morreu ainda no sábado, 5 de março, um dia antes do registro de desaparecimento.

O caso começou a clarear na terça-feira seguinte, 8 de março, quando a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão na casa em que Marilei morava, em Camobi. Lá estava eu para acompanhar, depois de receber uma ligação de um policial. Não havia nem sinal de Glória, mas vestígios do corpo dela foram achados no poço de água da casa.

Na quinta-feira à noite, 9 de março, chegou-se ao fim da história. A equipe do delegado André Diefenbach foi muito ágil: Wagner de Oliveira Lopes, namorado de Marilei, teve a prisão preventiva decretada e foi levado para a 4ª DP para depor. Entregou todo o jogo e possibilitou que o corpo esquartejado e colocado em sacolas fosse achado em um terreno às margens da Faixa Velha, o que também pude acompannhar.

Naquele dia, só voltei para a redação do Diário por volta das 2h da manhã, depois de passar também pelo posto do Departamento Médico-Legal, na Floriano Peixoto. Em uma operação que, atualmente, está cada vez mais difícil de acontecer, o editor-chefe do jornal, Nilson Vargas, segurou a edição do dia seguinte para que os leitores do Diário pudessem ter, na edição do dia seguinte, as últimas notícias do caso.

Na sexta-feira. 10 de março, eu já estava por volta das 7h30 no Centro de Operações da Polícia Civil para entrevistar o Wagner na cela. Fui para a redação na metade da manhã, mas logo depois voltei para a delegacia, pois Marilei também havia sido presa. Também conversei com ela, o que rendeu a chamada “Ocultei o cadáver e cortei um braço” na edição de final de semana do Diário.

Mesmo como editor, continuei também como repórter do caso até os julgamentos dos réus. Wagner recebeu a condenação de três anos e quatro meses, mas já havia cumprido um terço da pena e foi posto em liberdade. Alguns anos mais tarde, ele morreu de leucemia

Já Marilei foi condenada a 23 anos de prisão. Peregrinou por cadeias da região e depois foi transferida para a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre. O advogado de Marilei, Sérgio dos Santos Lima, me informa que, depois de passar pelos regimes semiaberto e aberto e até usar tornozeleira eletrônica, ela está em liberdade condicional, pois já cumpriu o tempo de pena que permite isso a ela. Hoje ela é evangélica e trabalha em Porto Alegre. Ainda quando estava presa em Santa Maria, Marilei escreveu uma carta para este repórter dizendo que havia se tornado evangélica e que “era outra pessoa”.

Durante muito tempo, mantive contato também com a família de Glória. A menina Vitória, saudável, foi adotada por um casal de tios, que só vão contar para ela toda a história do caso quando ela for maior. O viúvo e os filhos seguem sua rotina de pessoas simples, de muito trabalho.

Esse foi um caso que muito faz parte do meu aprendizado no jornalismo. Afinal, bastava um passinho para descambar para o sensacionalismo. Acredito que isso não ocorreu. São lições que ficam, sempre para que tragédias como esse esquartejamento não se repitam e para que você sempre se mantenha aberto para os sentimentos das pessoas ao seu redor.

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