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Tempos bicudos e obscuros de nossa história – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Em meados dos anos 70, do século XX, estava eu, como muitas crianças, construindo os primeiros passos diante dos saberes universais, por meio do espaço escolar. Minha trajetória iniciou-se no estético e maravilhoso “Grupo Escolar Joaquim Nabuco”, na aconchegante cidade de Tupanciretã. Além de minha escola ser adornada por lindos jardins, localizava-se em frente à praça “Coronel Lima”. Praça que era nosso lugar de encontro e lazer.

Reconstituí estes espaços porque foi nesse cenário que, hoje, após um conjunto de anos vivenciando os fazeres e os saberes da vida e da escola, verifico que enquanto, ingenuamente, disputávamos “peladas” futebolísticas e, platonicamente, forjávamos nossos primeiros amores imaginários, jovens, homens e mulheres eram torturados e eliminados nos subterrâneos do poder pelo regime autoritário e obscurantista que nossa sociedade vivia.

Enquanto vibrávamos com a “genialidade” do “Rei” Pelé nos gramados e o tricampeonato da seleção canarinho, militantes de esquerda eram sufocados pelas “borrachas de apagar ideologias”, simbólica e praticamente, manuseadas pelos agentes de um Estado repressivo. O autofalante em alto e bom som reproduzia:  “as praias do Brasil ensolaradas/o chão onde o país se elevou/a mão de Deus abençoou/mulher que nasce aqui tem muito mais amor/o céu do meu Brasil tem mais estrelas/o sol do meu país, mais esplendor/a mão de Deus abençoou/em terras brasileiras vou plantar amor/eu te amo, eu te amo!/meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil/eu te amo meu Brasil, eu te amo!/ninguém segura a juventude do Brasil.”

Em nossos estádios de futebol, abarrotados de gente, onde os “gênios” da bola flanavam pelos campos e esculpiam esteticamente seus mágicos dribles, criando verdadeiros momentos submersos em uma riqueza plástica, em conjunto e de forma harmônica o povo cantava: “noventa Milhões em ação/pra frente Brasil/do meu coração/todos juntos vamos/pra frente Brasil/salve a seleção/de repente é aquela corrente pra frente/parece que todo Brasil deu a mão/todos ligados na mesma emoção/tudo é um só coração/todos juntos vamos/pra frente Brasil! Brasil! /salve a seleção!”.

Eram tempos de dores. Dias, meses, e anos de sofrimentos. Sumiço de gente que queriam um país mais humano, agradável de viver e, o que é mais importante, com distribuição de riqueza. Enquanto milhares de jovens e adultos buscavam a construção de uma Nação mais justa, os tiranos, encastelados no poder, transformaram uma paixão nacional, o futebol, em um instrumento ideológico para alienar e ocultar as barbáries que vinham ocorrendo nos porões de torturas. Os fins justificavam os meios. Todos aqueles que levantavam a voz contra as tiranias, eram tachados de subversivos e considerados “persona non grata” para o Estado repressor.

Gente, sem direito de escolha e defesa, era, sumariamente, eleita para o desaparecimento. Essas coisas a História OFICIAL, que era a única existente na época, não me ensinou. Fui aprender em manuais e “panfletos” considerados subversivos passados de mão em mão dentro do movimento social, de forma geral e, no movimento estudantil, de forma particular. Considerávamos-nos, com muito orgulho, militantes fervorosos em defesa da Liberdade, de melhores condições de vida para os trabalhadores oprimidos e explorados e, tínhamos “consciência” Histórica que engrossávamos as fileiras de pessoas que buscavam uma sociedade solidária e generosa.

Hoje eu tenho claro que contribuímos de forma substancial para o avanço e a consolidação de um Estado Democrático e de Direito no Brasil. Lendo autores “alternativos”, para além dos estudados na História Oficial, fomos consolidando uma leitura de mundo que “descortinava” e explicava as determinações econômicas, culturais e histórico-sociais que estavam mergulhados a grande maioria da população brasileira.

Aqui queria dizer que, enquanto existir miséria, marginalização cultural, portanto exclusão social, não se pode por decreto, também autoritário, eliminar o campo, político da esquerda no Brasil e no mundo. No plano histórico, sociológico e psicológico é extremamente difícil encontrarmos grupos que se autodefinam como ideologicamente de Direita ou conservadores. No plano da História Universal, a burguesia emergente foi uma classe rigorosamente transformadora, progressista e revolucionária. No momento que produz a consolidação de sua ideologia como hegemônica na estrutura de poder e nas práticas sociais, torna-se conservadora, pois vai construir instrumentos políticos, ideias e atitudes que mantenham o sistema político vigente e seu modo de funcionamento.

Para Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços, as diferentes formas de obscurantismos e autoritarismos criam um conjunto de sistemas de desvínculos: para que os calados não se façam perguntões, para que os opinados não se transformem em opinadores. Para que não se juntem os solitários, nem a alma junte seus pedaços. O sistema divorcia a emoção do pensamento como o sexo do amor, a vida íntima da vida pública, o passado do presente (…). O sistema esvazia nossa memória, ou enche a nossa memória de lixo, e assim nos ensina a repetir a história em vez de fazê-la.

As tragédias se repetem como farsa, anunciava a célebre profecia. Mas entre nós é pior: as tragédias se repetem como tragédias. Triste coincidência! No último dia 31 de março de 2016 completaram-se 52 anos da instalação de bicudos, autoritários, de exceção e obscurantista tempo de uma trágica ditadura militar em nosso país. A conjuntura política atual de nossa nação, observamos que os reacionários que perderam o poder pelo voto e uma grande imprensa comprometida ideologicamente com os afortunados estão fazendo um alarido para criar um clima para, através de um golpe, tirar a presidente da república do poder.

O golpe se caracteriza pelo fato de não existir, comprovadamente, base legal para o famigerado impeachment. Nem uma pessoa com consciência política é a favor da escalada de corrupção que assola nossa dignidade, mas usar os analfabetos políticos como massa de manobra e transformar em jurídico aquilo que pertence ao campo da política é uma atitude, no mínimo, despótica. A nossa historicamente incipiente democracia está correndo um sério risco.

Os arautos do golpe, por incrível que pareça, são os mesmos atores políticos que apoiaram a instalação da ditadura militar no Brasil. Será que essa gente não possui memória histórica e não se dá conta que milhares de inocentes sucumbiram nos porões de tortura. O que estamos necessitando, de forma urgente, é uma séria e rigorosa reforma política para que os nossos partidos políticos voltem a serem valorizados e o poder deixe de ser um balcão de negociação.

Em nome da famigerada governabilidade, a política brasileira junta partidos políticos das mais variadas vertentes ideológicas e, o que é pior, funda suas práticas no nefasto fisiologismo. O atual governo junta PT, PMDB, PP, PSD, PC do B, PTB e alguns partidos nanicos. É tão anacrônica a política partidária no Brasil que na Chapa o Vice-Presidente é do PMDB e o mesmo, através de reunião de seu diretório nacional, cujo presidente é o Senhor Michel temer, resolveu desembarcar do governo (sic.).

Podemos ter discordância do Capitalismo de Estado e suas políticas neoliberais que apostam na desregulamentação, flexibilização e terceirização das relações de trabalho praticado pelo governo federal, mas o afastamento dos mandatários deve estar baseado em fatos concretos que venham ferir a Constituição Federal e não em desejo de poder político. É muito salutar para a Democracia as manifestações populares que vêm ocorrendo em nosso país, mas o, verdadeiro, exercício de cidadania não pode ser forjada através de discursos demagógicos e, muito menos, por uma imprensa, absurdamente, tendenciosa.

Como escreveu Affonso Romano de Sant´Anna: “sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura”. Educação e participação coletiva nos destinos de nosso país aprimoram a Democracia, mas articular o impeachment sem base legal, para os entendidos em política e direito se constitui num golpe. Interesses políticos e econômicos não podem justificar injustiças. Devemos ser intransigentes na defesa das regras democráticas. Obscurantismo e ditadura nunca mais.

 

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