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ARTIGO. Valdeci Oliveira e o auxílio emergencial e as contradições governistas, que só atingem aos carentes

O maior dos custos é entregar os mais vulneráveis à fome e à miséria

Por VALDECI OLIVEIRA (*)

As qualidades de um governante ou líder político serão sempre melhores avaliadas quando em momentos de crise. Quanto maior o grau desta, mais evidentes ficam os predicados e defeitos de quem, a princípio, tem a responsabilidade para geri-la. Com a atual pandemia da Covid-19 não seria diferente.

Em resumo, a partir do negacionismo em relação aos riscos e gravidades cientificamente comprovadas do novo coronavírus, o governo federal, com o perdão do trocadilho, lavou as mãos em vários setores que precisavam ter uma efetiva intervenção estatal. No caso da área social, principalmente os segmentos mais vulneráveis, o descaso só não foi maior por conta da ação dos deputados federais e senadores, principalmente pela pressão das bancadas de oposição, que praticamente obrigaram o governo a conceder o auxílio emergencial de R$ 600,00. Se dependesse exclusivamente da área econômica, respaldada pelo presidente, essa fundamental ajuda teria ficado em 3 parcelas de R$ 200,00.

Agora se discute a continuidade desse benefício, visto que ainda sequer chegamos ao chamado platô da contaminação, e a curva de recuo de novos casos e óbitos sequer surgiu, resultado do relaxamento no distanciamento e do retorno açodado das atividades empresariais. Assim, a retomada econômica também fica mais distante. Sem emprego e renda, milhões de brasileiros dependem do prolongamento da concessão da renda emergencial para sua sobrevivência. Em outras palavras, dependem dela para comer e sustentar seus filhos.

O governo alega ser um “custo muito alto”, o que me leva a pensar em qual o preço que o executivo federal estipula por uma vida ou quanto de esforço merece ser feito para que parte significativa da população tenha o mais elementar dos direitos, que é viver. Se comparado a outras nações, aqui a ajuda financeira é 15 vezes menor, com agravantes que vão da burocracia a cadastros desatualizados passando por milhões de pedidos negados ou eternamente em análise, o que tem deixado de fora centenas de milhares de pessoas que vivem em situação informal no mercado de trabalho.

Nunca é demais lembrar que o expediente da renda emergencial está sendo largamente utilizada mundo afora como forma de abrandar os efeitos nocivos da pandemia. Nos Estados Unidos, as pessoas recebem cheques pelos correios no valor U$ 1,2 mil, além de um adicional por criança. No Reino Unido, autônomos têm direito a uma ajuda de 2,5 mil de libras por mês. Com diferentes graus de concessão, o mesmo ocorre na Alemanha, França, Itália, Portugal. A Espanha, que já utilizava diversos programas de complementação de renda às famílias mais vulneráveis, ampliou o modelo e agregou perto de três vezes o número de beneficiários. Lá, eles dão o correto nome de “renda mínima vital”.

Quanto mais analisamos as disparidades sociais do Brasil, mais difícil é aceitar a não continuidade da renda emergencial no valor atual. Nessa incompreensão, podemos começar pelo fim deste processo – onde, além da segurança para que as pessoas mantenham o isolamento social, tudo que é disponibilizado retorna de imediato para o mercado interno na forma de consumo, garantindo a permanência de milhões de pequenos negócios, de empregos e a geração de impostos.

Outra contradição do discurso governamental: se falta dinheiro para ajudar os mais pobres, como explicar a decisão de reduzir em cinco pontos percentuais o imposto da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dos bancos – que custou alguns bilhões aos cofres públicos – durante todo ano de 2019 e nos dois primeiros meses deste ano?

Como convencer a população de que a ajuda não cabe no orçamento federal enquanto a maior parte dos impostos é cobrada dela mesma a partir de produtos, serviços e da sua renda, fazendo com que, proporcionalmente, quanto mais pobre ela for, mais pagará. No modelo tributário vigente, é comum que um sócio de uma grande empresa declare à Receita Federal ganhos de R$ 5 mil como pró-labore e depois receba R$ 10 milhões ao final do exercício como distribuição de lucros, dividendos e juros sobre capital próprio, sem que esses sejam tributados.

Sim, instituir uma renda emergencial – e quiçá uma política permanente de renda básica – custa e sua necessidade, incontestável. Mas o que custará muito mais será deixar levas e levas de brasileiros e brasileiras, crianças entre eles, passando fome, contraindo doenças e tornando-se indigentes. Portanto, a minha luta será para que o auxílio emergencial vigore até o final do ano nos mesmos patamares de hoje- e, ao mesmo tempo, a sociedade brasileira faça um amplo debate sobre a forma de custear a estruturação gradual de uma política oficial de renda básica. A crise da Covid-19 deixará inúmeras sequelas tristes, mas também lições. E uma dessas lições diz respeito à atenção permanente e as políticas públicas que têm de serem direcionadas aos milhões de homens e mulheres que habitam a base da pirâmide social brasileira. Não existirá desenvolvimento no país se continuarmos mergulhados na desigualdade.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287

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